Ex-alunos usam as redes sociais para manter vivas memórias de colégios extintos de Fortaleza
Seja por grupos virtuais ou perfis, cearenses resgatam histórias e momentos especiais.
Marista Cearense, Geo Studio, Júlia Jorge e Evolutivo são nomes que trazem lembranças a milhares de cearenses. São locais onde muitos aprenderam a ler, escrever e construir a noção de cidadania, mas que, hoje, já não existem mais. Nas últimas décadas, esses colégios tradicionais foram fechando as portas motivados, frequentemente, por crises financeiras.
No entanto, o encerramento das atividades não significa o fim da história. As instituições seguem vivas, principalmente, nas memórias e nos legados de ex-alunos e professores em grupos virtuais e até mesmo perfis nas redes sociais.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, os antigos estudantes — hoje adultos — relembram os momentos, ensinamentos e aprendizados que conquistaram no tempo de escola. Para muitos, o vínculo com as instituições é tão forte que resiste ao tempo.
“Ex-aluno, sim, ex-marista, nunca”
Tradicional instituição católica de Fortaleza, alunos do Colégio Cearense do Sagrado Coração, conhecido Colégio Marista, se conectam no perfil do Instagram @exalunosmaristascearense. Por meio dele, diversos ex-alunos compartilham fotos e vídeos da época de colégio como forma de preservar a memória e relembrar os velhos tempos.
O responsável pela administração do perfil é o empresário e gestor de redes sociais, Gilonio Duarte Dias, 53. Segundo ele, a ideia surgiu da “saudade coletiva” que pairava nos encontros despretensiosas do dia a dia.
“Sempre que eu encontrava um ex-aluno, as conversas terminavam com o mesmo sentimento: ‘precisamos reencontrar o pessoal… o Marista marcou nossa vida’”, afirma.
Ele percebeu que existia um desejo — não só dele — de reconectar uma comunidade e resolveu criar o perfil com o propósito de “reunir histórias, fotos, lembranças e reencontros”.
“Hoje, o perfil funciona como um verdadeiro arquivo afetivo vivo, que conecta gerações e resgata memórias preciosas”, afirma. Neste fim de outubro, os antigos estudantes relembraram momentos e histórias do Ginásio Esportivo da extinta escola, que agora dará lugar a um prédio residencial.

Segundo Gilonio, a repercussão sobre a notícia foi enorme pelo simbolismo emocional que o espaço carregava. “A publicação despertou [em nós] lembranças intensas. Foi ali que aconteceram os interclasses, as Olimpíadas Champagnat, jogos de equipes reconhecidas nacionalmente, além de formaturas, eventos religiosos, apresentações e tantos momentos que marcaram nossa juventude”, afirma.
O Marista foi muito mais que uma instituição de ensino — foi um ambiente que moldou valores, caráter e amizades que permanecem vivas até hoje.Gilonio Duarte Dias
Empresário, gestor de redes sociais e organizador da Conframarista
Além do perfil, Gilonio é um dos organizadores da Conframarista, uma celebração “espontânea e carregada de amizade”. O empresário é enfático em dizer que a ideia do evento nasceu com seu amigo Cleomário Miranda, em 2016.
“Ele organizou uma confraternização apenas com a nossa turma de 1990. Pouco tempo depois, me convidou para ampliar o encontro, pois acreditava que essa celebração precisava abraçar todas as turmas, de todos os anos”, rememora. Foi assim que o evento começou a se expandir e se transformou em um reencontro aberto.
A festa costuma acontecer, anualmente, no último sábado de agosto nas dependências do antigo colégio e conta com o apoio da Faculdade Estácio. Neste ano, foi a primeira confraternização sem a presença do idealizador. Cleomário faleceu no dia 15 de agosto, justamente no Dia do Marista.
“Ele estudou a vida inteira no colégio, respirava Marista, carregava no coração esse espírito de união […] O que eu faço hoje é dar continuidade a esse movimento que ele iniciou, mantendo vivo o legado que sempre nos uniu: celebrar a amizade, o pertencimento e a história que compartilhamos”, ressalta.
Júlia Jorge: “um colégio magnífico”
O mesmo sentimento de nostalgia, saudade e reconexão fez surgir a página de Facebook ‘Estudei no Júlia Jorge’, administrada pelo empresário e publicitário Eberth Melo, 39, e que depois se tornou perfil no Instagram. Através do espaço virtual, ex-alunos, professores e colaboradores do colégio do bairro Parquelândia seguem mantendo vivas as lembranças da instituição.

Fundado em 1966, o colégio Júlia Jorge era uma das unidades da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) em Fortaleza. Esse formato de ensino ofertava mensalidades mais acessíveis e bons descontos, abrangendo alunos da classe média e baixa dos bairros Parquelândia, São Gerardo, Monte Castelo e Parque Araxá.
Onde antes funcionava o colégio, hoje existe um prédio residencial. Durante o processo de demolição, Eberth, que mora próximo ao local, encontrou vários álbuns no lixo com fotografias antigas do colégio. Foi aí que decidiu criar um espaço virtual para compartilhar imagens e resguardar a memória do colégio e dos alunos.
“Achei fotos dos eventos que aconteciam, das feiras de ciência, dos interclasses, das viagens para os hotéis da CNEC na serra e na praia, e eu queria compartilhar com os colegas. Criamos o [perfil no] Instagram justamente por isso”, diz.

Eberth foi aluno da instituição até o ano de 2008, quando o colégio encerrou as atividades após 41 anos de funcionamento, e relembra o quão grandioso era a instituição.
“O Júlia Jorge tinha muitas atividades extras curriculares. Quando eu falo muitas, eram muitas mesmo, de todos os sentidos. Nós tínhamos aula de teatro, de música, de todos os esportes que você imaginar: capoeira, judô, karatê, jiu-jitsu, futebol, vôlei, basquete e handebol”, conta.
Além disso, a escola contava com grupo de ciências, que era organizado em um dos laboratórios “mais modernos do Estado, na época”, grupo de coral, banda sinfônica e até um cinema próprio, segundo o publicitário. “Era um colégio magnífico nesse sentido, tinha uma biblioteca magnífica também”, afirma.
Essa oferta diversificada de práticas e as aulas em tempo integral estimulavam os alunos em torno do colégio. E para estimular e incentivar os alunos, a instituição realizava o ‘Encontro das Nações’, uma mostra cultural onde eram apresentadas danças e esportes, e os interclasses internos e externos.

A atmosfera criada pelo colégio tornou a despedida ainda mais dolorosa. Para Eberth, a demolição foi um baque porque o colégio “era uma segunda casa”. “Foi a demolição da história física e ficou realmente só a história mental, a do papel, a do Instagram”, afirma.
Para fortalecer esses laços além do digital, os ex-alunos se reúnem em eventos anuais. O primeiro que surgiu foi o ‘Bloquinho Sobreviventes do Júlia Jorge’, uma festa de carnaval fora de época realizada na frente do colégio em demolição nas duas primeiras edições. Depois, vieram a festa retrô do Sobrevivente e o São João, chamado Arraial da Cumade Júlia Jorge.
Segundo o publicitário, a organização dos eventos é feita de forma voluntária e não tem fins lucrativos. O valor arrecadado é usado para investir nas festas. Um dos pontos altos são os prêmios para os ex-professores e ex-colaboradores: uma plaquinha de homenagem àqueles que foram cruciais na formação educacional e pessoal de cada estudante.
Quem foi do Evolutivo, não esquece jamais
Seu primeiro nome era Positivo, mas marcou a história de muitos cearenses com a denominação ‘Evolutivo’. A instituição nasceu em 1981 e foi se consolidando ao longo dos anos até se tornar um dos maiores grupos educacionais do Ceará.
Com sedes espalhadas em diversos bairros de Fortaleza, o Evolutivo era conhecido pela oferta de bolsas de estudos e mensalidades mais acessíveis, comparadas a outras instituições privadas da época. Era o caso da coordenadora de licitação Mariana Pinho, 29.

Ela conta que passou pelas duas sedes no Centro, a da Avenida Heráclito Graça e a da rua 24 de maio, chamada Regina Justa. Mariana entrou no Evolutivo com bolsa de 50% e a mensalidade saia por um valor bem abaixo do que outras escolas de Fortaleza.
Além disso, o material didático era organizado por apostilas semestrais, cujo valor já estava inserido na parcela mensal. “É tanto que quando fui para outra escola, teve um impacto financeiro porque eram parcelas bem distintas e era um livro para cada matéria”, diz.
Já o publicitário Thiago Medeiros, 33, foi aluno da unidade localizada dentro do Shopping Benfica, de 2005 até 2007. Segundo ele, a mãe passou por algumas sedes para pesquisar os valores das mensalidades.
“Tinha uma bolsa que era ofertada e, mediante ao resultado de uma prova, era estipulado o valor do desconto”, afirma. O bairro Benfica foi escolhido pelo valor intermediário e a localização.
Ele relembra que mudou para o Evolutivo no ensino médio, com outros amigos. “Lá, fiz alguns amigos que levo para a vida toda. O contato diminui, mas sempre nos esbarramos por aí. Quando nos vemos é uma mistura de nostalgia e risadas lembrando dos velhos tempos”, diz.

Para Mariana Pinho, as amizades mais íntimas que têm hoje são frutos das conexões que fez no Evolutivo. “Tenho duas amigas que a gente se conheceu na terceira série e até hoje somos próximas, mesmo cada uma com suas famílias e profissões diferentes. Pelo menos uma vez por mês, a gente se encontra pessoalmente”, diz.
Uma das memórias mais importantes, segundo ela, é a Feira das Nações, evento em que as salas se organizavam e eram distribuídas para apresentar sobre municípios cearenses, estados brasileiros e países.
“Os meses que antecediam era de total ansiedade porque eram os alunos que preparavam tudo. Nós tínhamos que apresentar para os pais, para outros alunos das sedes e para amigos que a gente convidava”, relembra.
Thiago e Mariana afirmam que os alunos percebiam a decadência e o sucateamento da escola ao longo dos anos. A unidade do Shopping Benfica, onde estudou Thiago, foi uma das primeiras a fechar as portas, em meados de 2008. E o principal “prenuncio de que algo não estava bem”.
“Muitos colegas deixaram a escola e estavam migrando para outras porque já se falava na falência e nos débitos. O Evolutivo não estava mais conseguindo lidar [com a situação financeira] e o ensino estava ficando muito a desejar”, afirma Mariana.
E assim foi, sede por sede sendo encerradas até culminar no fim de uma das marcas mais conhecidas pelo imaginário cearense em 2012, sob a justificativa de problemas financeiros. Para a coordenadora, a parte triste desse processo foi o distanciamento das amizades, já que cada um foi para escolas diferentes. Mariana passou por um longo processo de adaptação na nova escola pela mudança de ambiente e de companhias.
No Evolutivo, a gente tinha uma amizade muito forte, um vínculo com a escola muito forte. Eu acho que quem um dia já foi aluno do Evolutivo, não esquece jamais. Nós aprendemos muito com isso, porque não era uma escola tão elitista. Todo mundo tava ali, tinha muitas classes e a gente aprendeu a lidar muito com isso Mariana Pinho
coordenadora de licitação e ex-aluna do Evolutivo
Colégio Geo
Referência na educação privada ao longo dos anos 2000, a instituição possuia sedes espalhadas em Fortaleza e até mesmo no Interior do Ceará. Suas unidades contavam com estruturas de clubes poliesportivos, com quadras, piscinas e academia para a oferta de diversas atividades extracurriculares.
A psicóloga e terapeuta comportamental Luciana Colares, 55, mora em Portugal, mas lembra, com carinho, das lembranças formadas naquele espaço. Apesar de ter cursado somente o 3º ano do Ensino Médio, o curto tempo não a impediu de ser marcada pelo colégio.
“A gente tinha ansiedade de ir para a aula de tão bom que era. Foram muitas lembranças boas, tanto da turma como dos professores”, afirma.
Ela relembra da atmosfera positiva que pairava pelo colégio, o encantamento na recepção, a presença dos diretores por perto e a maneira que os professores davam aula. “Tive um professor que me ensinou a gostar de História pela dinâmica que ele fazia. Lembro bem que a aula dele era a última da sexta-feira e todo mundo fazia questão de assistir de tão bom e divertido que era”, relembra.
Essa metodologia dos professores era um dos fatores que destacava o colégio, segundo Luciana, porque “não havia a obrigação do estudo e sim a alegria e o prazer em estar numa sala de aula”.
“Os professores tinham uma forma de agradar e cativar o aluno. Algo muito interessante que eu observei e, hoje como profissional da área, eu entendo, psicologicamente falando, que eles nos ensinavam a gostar de estudar”, afirma.
