Primeiro médico brasileiro formado em Harvard foi cearense: conheça a história de Alves Ribeiro

Primeiro médico brasileiro formado em Harvard foi cearense: conheça a história de Alves Ribeiro

Depois de formar-se nos Estados Unidos, ele voltou para a terra natal e foi o primeiro profissional contratado pela Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza

Nascido em Icó, no Centro-Sul do Ceará, primeiro brasileiro formado em Medicina na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, primeiro médico na Santa Casa de Misericórdia, em Fortaleza, criador de um museu, fundador de jornal científico e entusiasta de novas tecnologias.

São muitas as qualidades do doutor Joaquim Antonio Alves Ribeiro, um pioneiro de seu tempo, mas esquecido da historiografia cearense – afinal, passados quase 150 anos de seu falecimento, poucos arquivos se dedicam à figura.

Essa inquietação foi o que moveu o cearense Eduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos, doutor em História e professor do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás (UEG), a preencher as lacunas da trajetória do médico.

Os detalhes do percurso acadêmico do médico foram reunidos em pesquisa e transformados no livro “A Ciência Peculiar de Joaquim Antonio Alves Ribeiro: Ceará – Harvard – Ceará” publicado pela Editora Cancioneiro, neste ano.

Alves Ribeiro, de imediato, pode ser definido de duas formas: “alma inquieta” e “uma pessoa ávida por conhecimento”, como observa Eduardo. Nascido em 1830, não há muitas informações sobre a juventude dele.

O que se sabe é o fato da família ser formada por proprietários rurais e homens de negócios. Possivelmente, no contato com outras pessoas influentes, o cearense escolheu ir para os Estados Unidos porque a Europa enfrentava uma crise econômica naquele período.

“Para entrar no curso tinha de fazer uma prova com conhecimentos de matemática, de latim, com as habilidades de saber ler e escrever em inglês e mostrar condições para pagar as aulas que iria assistir”, explica sobre o processo seletivo que acontecia na própria Universidade.

Eduardo contextualiza que a dinâmica do mundo moderno ainda estava em definição, no que diz respeito a forma como a sociedade enxerga as profissões, bem como acontecia a formação profissional. Durante a pesquisa, o autor aponta que o cearense foi um bom estudante da área e dominava francês e alemão, além do inglês.

“Algo interessante daquele tempo é que se comprava tíquetes para as aulas, como se fosse um ingresso pro cinema. Os professores mais famosos tinham aulas lotadas e ganhavam mais dinheiro, já os que eram mais exigentes tinham poucos alunos”, acrescenta o escritor.

Alves Ribeiro tornou-se médico aos 23 anos, em 1853, e “poderia ter ficado nos Estados Unidos ou ido para outro canto do mundo, mas volta para o Brasil e consegue um emprego no interior do Rio Grande do Norte”, como avança Eduardo.

Legenda: Capa do livroFoto: Cancioneira/Reprodução

Para atuar no Brasil, o médico precisou validar o diploma na Faculdade de Medicina da Bahia. “No século XIX só existiam duas faculdades de medicina no Brasil: Rio de Janeiro e da Bahia”, aponta Eduardo.

Depois disso, o cearense abriu um clínica em Recife, capital pernambucana, onde atuou como médico generalista por 3 anos. Em 1858, voltou para o Ceará com uma função chamada de “médico dos pobres”.

“Ele passou a ocupar um cargo pago pela província para cuidar das pessoas que não tinham dinheiro para ir ao médico. Em virtude dessa situação, ficou chamado carinhosamente de ‘médico dos pobres’”, reforça.

Com o surgimento da Santa Casa de Misericórdia, em 1861, Alves Ribeiro foi o primeiro médico da unidade ainda hoje em funcionamento.

LEGADO DO MÉDICO CEARENSE

Além de ser o primeiro em vários postos, o médico cearense deixou contribuições memoráveis por onde passou movido pela preocupação com o bem estar dos pacientes e na busca por métodos mais adequados para atender às demandas médicas.

“A gente percebe que ele se deteve mais a algumas temáticas porque publicou manuais sobre esses assuntos. Entre eles, o ‘Manual da Parteira’ que é uma obra em virtude da grande demanda de instruções perante os partos”, exemplifica Eduardo.

O manual foi publicado por uma das principais revistas científicas da época, de origem europeia, no século XIX. “Ele queria um trabalho bem feito para repassar aos leitores que buscavam informações corretas”, frisa.

Por isso, o cearense também criou a “Lancêta” (instrumento cirúrgico), um periódico científico que, provavelmente, foi inspirado na revista britânica “The Lancet”, a qual ele também contribuiu.

A seção de “recebidos” da revista internacional registra o nome do cearense em abril e dezembro de 1858, mas o pesquisador não teve acesso ao conteúdo das cartas enviadas. Contudo, Eduardo conseguiu mapear alguns dos interesses do médico.

“Um dos elementos é a questão da anestesia, uma técnica muito nova naquele momento porque as atividades médicas ainda eram muito incipientes e causavam dores quando tinham de fazer cirurgias”, pontua.

Alves Ribeiro leu um artigo publicado na Gazeta Médica da Bahia, que debatia o uso de anestesia na Europa, e enviou uma resposta notificando que ele também usava o método no Ceará para remover dentes ou nódulos de pacientes.

O médico, inclusive, adequou as quantidades de éter ao contexto brasileiro, já que a substância muito volátil precisava ser aplicada em maior volume por causa do calor da região Nordeste.

Esse impacto do médico cearense faz parte de um contexto histórico pouco visto.

A gente precisa avançar e ver o que não está estudado, ampliar o leque da História e complexificar essa representação. Sair dessa coisa simplória da seca, do cangaço, algo comum na literatura e no audiovisualEduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos

Doutor em História

Outro legado de Alves Ribeiro foi a exposição de fauna e de flora que deu origem ao Museu de História Natural do Ceará – inaugurado em Fortaleza, mas hoje sediado em Pacoti, no Maciço de Baturité. Esse passo, provavelmente, foi inspirado no Museu de História Natural da Universidade de Harvard.

“A história natural era o grande paradigma científico da época, e isso englobava também a medicina, era coletar espécimes de animais e da flora e estudá-los, ver as características, os tipos. É uma perspectiva de ciência que você tem que observar numa análise lenta e meticulosa”, conclui.

DE ONDE SURGIU A PESQUISA

Eduardo cursou História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e mantém na mente os nomes daqueles que o despertaram para o estudo sobre a personalidade cearense. Primeiro foi o professor Manuel com uma palestra sobre a relação entre História e Cultural Material com ênfase em museus. Depois, a bibliotecária Madalena que disponibilizou material para a pesquisa sobre Alves Ribeiro.

“Vi notícias esparsas, mas vi que era possível encontrar mais detalhes e informações. Eu pude, a partir de pesquisas, ver um pouco o que ele e com quem estudou em Harvard, e quando voltou para o Ceará”, lembra.

Meu trabalho não é uma biografia, é um estudo da formação acadêmica do doutor Alves Ribeiro e das atividades científicas, porque foram as informações que eu obtive. Era necessário saber da infância, sobre amigos, parentes, memórias ou cartas de pacientes, mas infelizmente eu não consegui encontrar

Redação

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