Elixir da Bahia: Mistura de sabores e alto teor alcoólico transformaram o Príncipe Maluco em bebida proibida no estado

Elixir da Bahia: Mistura de sabores e alto teor alcoólico transformaram o Príncipe Maluco em bebida proibida no estado

Açúcar, tempero e tudo que há de bom. Sim, você sabe de onde são esses ingredientes. Foram os escolhidos para criar as garotinhas perfeitas, as Meninas Super-Poderosas. Mas e quando o assunto é o Príncipe Maluco, você consegue elencar tudo que tem dentro do “shot da Bahia”?

As teorias são diversas, e a bebida, que mesmo após 20 anos do surgimento, continua sendo figurinha carimbada nas portas dos eventos da capital baiana e nas grandes festas públicas ao redor do estado, permanece um mistério. Mas o Bahia Notícias desvenda uma parte do segredo de uma das bebidas mais polêmicas do estado, que tem venda proibida na capital baiana e em festas do interior da Bahia pela Vigilância Sanitária.

Já teve quem dissesse que a bebida é tão forte que tem potencial de elevar o índice de violência no Carnaval de Salvador. A declaração não é inventada. Em 2014, a secretária municipal de Ordem Pública, Rosemma Maluf, afirmou ao Bahia Notícias que a fiscalização sobre a venda de bebidas artesanais nos circuitos do Carnaval foi um dos fatores responsáveis pela queda da violência no Carnaval de Salvador. “O príncipe maluco causa alteração no comportamento e deixa as pessoas mais agressivas”.

Foto: Bianca Andrade/ Bahia Notícias

Do outro lado, quem bebe garante que a ideia do famoso “três por cinco” com uma rodela de limão besuntada no leite condensado é fazer a pessoa esquecer dos problemas, e se for de forma indiscriminada, esquecer também da solução e do nome. “Toda festa que eu venho eu tomo uma para entrar feliz já, alegre. Conheci em festa mesmo e já gostei. O sabor é horrível (risos), mas eu vou pela experiência mesmo”, contou Edson Junior, de 23 anos.

Para quem vende, a justificativa da amnésia está no exagero. “É raiz. É cachaça, Umburana, Barbatimão e Jatobá. Você bota para difusão. Realmente, é cachaça. Se tomar demais vai pegar, como todo mundo que já bebeu em uma faculdade, já tomou Príncipe e pegou. Mas é porque tudo se tomar demais dá isso. Até água, se botar demais a planta morre. O grande problema do pessoal é esse, bebia demais e só lembrava do pobre do Príncipe”, afirma Heraldo Barbosa, de 59 anos, vendedor ambulante.

Há pouco mais de 18 anos no mercado, o Príncipe Maluco surge em um cenário de experiência. Segundo Heraldo, que afirma estar no mercado desde quando a bebida se popularizou na capital baiana, o Príncipe é a pedida oficial das faculdades.

“Vendo o Príncipe Maluco em Salvador há uns 20 anos, vendo também para São Paulo. Na maioria das festas de faculdade, sempre me encomendam para São Paulo um tambor desse fechado. Eu sou ambulante, por tradição, e Príncipe é a única bebida que é baiana. É o shot da Bahia. Você veio em Salvador e não tomou um príncipe, você não veio. Só tem uma grande falha em Salvador, é a única bebida que é da terra e Salvador não considera”, afirma.

A história precisa do surgimento da bebida é incerta. Não há registros acadêmicos disponíveis sobre a origem da iguaria, e o jeito é acreditar em quem se diz precursor. Ao Bahia Notícias, a versão contada por Heraldo dá conta de que os jovens decidiram investir na alquimia dos sabores e descobrir o elixir proibido após experiências no Pelourinho.

“A febre do príncipe começou há uns 15 anos atrás. Porque tinha muito Jatobá no Pelourinho, é uma bebida que vem do Pelô, é uma bebida de negro. Aí tem o Jatobá, Barbatimão, o Cravinho, e é dessa fusão que sai o Príncipe. E aí os jovens pegaram e resolveram misturar”, relata.

Já o ambulante Silvano Araújo, de 45 anos, dono da barraca ‘Vandinho do Príncipe’, que traz imagens de Ivete Sangalo e Pabllo Vittar para a divulgação da bebida, diz que a inspiração dele para começar a vender as doses veio do Pré-Caju, em Sergipe, Aracaju. “Eu tinha uma barraca de capeta por lá e comecei a ver algumas misturas e trouxe para cá no Carnaval de Salvador. O legado é meu, comecei a vender no Beco de Ondina, no Carnaval. São anos vendendo o Príncipe no Carnaval e no interior, em Amargosa no Piu-Piu, em Euclides da Cunha”.

Um dos primeiros registros da proibição da bebida em Salvador foi em 2008, época em que João Henrique era prefeito da capital baiana. O Diário Oficial Municipal, publicado no dia 21 de novembro de 2008, trazia no artigo 9 a proibição do príncipe e de outras bebidas artesanais, por não poder definir a procedência do produto.

“Não será permitida, em hipótese alguma, a comercialização de produtos em carros de mão, nem bebidas pré-preparadas artesanalmente (licor, cravinho, príncipe maluco e outras), nem uso de embalagens reaproveitadas e/ou vasilhames de vidro, ficando passível de apreensão imediata pela fiscalização.”

Anos depois, a proibição se manteve. No governo do prefeito ACM Neto, na época do DEM, a Prefeitura de Salvador chegou a produzir um conteúdo sobre a bebida com uma declaração do neurologista Antônio Andrade, que informava os riscos do consumo do Príncipe Maluco, apontando que a bebida poderia causar euforia, desmaios, aceleração dos batimentos, e até mesmo Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Para Silvano, o cenário pintado para a proibição do Príncipe tem um pouco de terror. Ao site, o vendedor explicou como monta os garrafões de Príncipe para a comercialização e garante que nada ilícito entra na fórmula dele.

“Dizem que o Príncipe Maluco tem droga, tem isso, tem aquilo. A Semop diz que não pode vender por causa de um negócio de mistura, e que não pode vender na área do Wet, da Barra e nem em bairro boêmio. Não tem mistura de nada errado. Minha receita de Príncipe Maluco tem a cachaça de Ubaíra, catuaba em pau, jatobá em pau, guaraná em pó e energético. Para 17 litros de cachaça eu coloco dois dedos de mel, um copinho de café de guaraná em pó e coloco uma garrafa de dois litros de energético para quebrar um pouco a força da cachaça e para ficar suave. Vendo há muito tempo e nunca ninguém passou mal assim.”

Em 2017, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) divulgou uma nota informando que a bebida estava proibida nos circuitos por representar risco à saúde dos foliões. Em uma nota do Carnaval daquele ano, a Semop indicou que, nos cinco primeiros dias da festa, 308 litros da bebida foram apreendidos. Silvano relatou ao site já ter sido parado pelo órgão algumas vezes. “Já perdi mais de 15 carros desse. Quando eu vou tirar é R$ 300, porque tem que pagar a placa, o carrinho e o bujão”.

Um ano depois, a Prefeitura de Salvador informou que a proibição da venda da bebida reduziu em 23% o atendimento por intoxicação de álcool em uma comparação ao ano anterior, 2017. 

“As ações de preventivas da Vigilância Sanitária praticamente retiraram das ruas essas bebidas artesanais como príncipe maluco, capeta e outras não autorizadas possuem componentes estranhos que podem de forma súbita tanto a embriaguez quanto a intoxicação exógena por outras substâncias alucinógenas que por ventura podem ser misturadas no coquetel. Isso contribuiu para redução contundente nos casos de alcoolemia nos postos, mas o excesso de álcool ainda continua figurando como a principal causa das demanda nos postos”, pontuou José Antonio Rodrigues Alves, secretário municipal da Saúde na época.

Desde 2008, a proibição da comercialização do Príncipe Maluco nas festas populares é mantida. Porém, não é difícil encontrar a bebida sendo vendida em pontos da capital. Neste ano, a Prefeitura de Feira de Santana proibiu a comercialização de bebidas artesanais durante a Micareta de Feira. A justificativa foi a mesma utilizada para a proibição em 2023.

Na época, a chefe da Divisão da Vigilância Sanitária (Divisa), Cristina Rosa, destacou que a medida era uma forma de prevenir o risco de envenenamento em massa. Naquele ano, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu um caminhão-tanque, utilizado no transporte de gasolina, diesel e álcool, com 10 mil litros de cachaça de forma irregular.

“Não existe o intuito de prejudicar a diversão das pessoas nem os vendedores ambulantes. O que buscamos é certificar que a população não tenha problemas de saúde durante ou após a festa pelo fato de ingerir bebidas artesanais cuja fabricação desconhecemos, os ingredientes utilizados e as condições de higiene do local onde são produzidas. A matéria-prima das bebidas precisa ser fiscalizada e regulamentada junto aos órgãos competentes.”

LEGALIZAÇÃO DO PRÍNCIPE?

O Bahia Notícias entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, responsável pela Vigilância Sanitária, para informações sobre a proibição da bebida na capital baiana.

Na ocasião, o órgão informou que questões sobre legalização da bebida artesanal deveriam ser tratadas com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Mapa reforça a necessidade do registro da bebida artesanal, seja ela qual for, para a comercialização legal em território nacional, conforme dispõe a Lei Federal nº 8.918.

Para realizar o registro da bebida, é necessário encaminhar todos os documentos ao Mapa, o que pode ser feito pessoalmente ou através do site agricultura.gov.br. O registro da bebida tem validade de 10 anos a partir de sua concessão.

Também é necessário obter licenças estaduais ou municipais, além das autorizações do Mapa para a comercialização da bebida. Para Heraldo, a legalização da bebida vai ajudar o Príncipe a voltar ao cenário e se firmar como outras bebidas, como o licor. “Teve uma queda, porque é uma bebida artesanal, tipo licor. Só que o licor vem de uma tradição, e como Salvador hoje elitizou a bebida, de Salvador agora é a cerveja”.

Em consulta na Câmara de Salvador, não há propostas para a legalização da bebida na capital baiana. Apesar do cenário pouco promissor, Silvano sonha com o dia em que o Príncipe Maluco não irá precisar correr do rapa nas ruas da capital baiana. “Eu creio que seja legalizado”.

Redação

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