Desburocratização e modernização da gestão pública: movimento (que deveria ser) cultural

Desburocratização e modernização da gestão pública: movimento (que deveria ser) cultural

Por Messod Azulay Neto, Ministro do STJ e publicado em https://www.conjur.com.br/https://www.conjur.com.br/2024-set-25/desburocratizacao-e-modernizacao-da-gestao-publica-um-movimento-que-deveria-ser-cultural/

No último dia 18 de setembro, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Instrução Normativa nº 17 do Ministério da Cultura [1]. O ato dispõe sobre a desburocratização dos procedimentos administrativos e a modernização da gestão pública no setor cultural com a sistematização e uniformização de regras, anteriormente, dispersas, de modo a conferir segurança jurídica, transparência e maior agilidade na execução de projetos culturais.

A instrução é aplicável aos entes da federação que aderiram à Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura — política que estrutura o sistema federativo de financiamento à cultura por meio de repasses da União aos estados, Distrito Federal e municípios. O Ministério da Cultura passa a ter, com a edição do ato, autoridade normativa, especificamente, sobre os convênios firmados com a pasta que envolvam repasse de verba pública federal.

A diretriz normativa decorreu de processo democrático com escuta dos interessados em audiência pública na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados e no Seminário de Direito e Cultura, promovido pela Advocacia-Geral da União, oportunidades em que foram discutidas, institucionalmente, as fragilidades dos processos gerenciais do setor cultural.

O objetivo, portanto, é uniformizar o modelo de gestão na tentativa de redução de riscos administrativos em contraposição à dispersão de normas e às fragilidades do modelo anterior. A instrução normativa conduz, assim, um protocolo simplificado e atento à eficiência e à segurança jurídica e administrativa.

Eficiência aos prestadores de serviço público

A eficiência, princípio constitucional inserido como vetor axiológico da administração pública pela Emenda Constitucional nº 19/1998, tem o objetivo de inserir obrigações efetivas aos prestadores de serviço público em resposta ao descontentamento da sociedade com a deficiência da prestação dos deveres estatais. Todavia, de nada adianta a previsão constitucional sem a respectiva atuação por parte da administração no sentido de melhorar a gestão da coisa pública. O núcleo do princípio é, assim, a maximização da produtividade e da economicidade, de forma a reduzir desperdícios de recursos públicos.

A eficiência administrativa, como norma, possui dupla dimensão. Tem relação, obviamente, com o modo de atuação do agente público, mas, também, com a forma de organização, estruturação e disciplinação da administração pública. Em ambos os casos, o objetivo é comum: alcançar os melhores resultados possíveis com os recursos disponíveis na prestação do serviço público.

A partir dessa premissa de otimização da estrutura da administração, a desburocratização e a modernização de normas e processos são importantes movimentos de instituição, sem prejuízo dos controles e da supremacia do interesse público, de meios de concretização da eficiência na gestão da coisa pública. A racionalização dos recursos objetiva, assim, atender às mudanças e demandas sociais que exigem, cada vez mais, estreita relação com a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eficiência e absoluta transparência.

A simplificação dos processos administrativos e dos mecanismos de gestão não conduzem, por outro lado, à inexistência de controles. Pelo contrário, burocratização, considerada como o procedimentalismo puro, não significa segurança, mas um entrave ao dever constitucional de eficiência da administração. A racionalização de normas e processos e a simplificação de formalidades desnecessárias ou sobrepostas implicam controles estatais e sociais mais eficientes porque ajustados aos riscos específicos de cada atuação pública [5].

A forma é instrumento, e não fim em si mesma. Esse, inclusive, é o espírito, não só da Instrução Normativa nº do Ministério da Cultura, mas também, dentre outras, da Lei nº 13.726, de 8 de outubro de 2018, que racionaliza atos e procedimentos administrativos dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação e da Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021, que dispõe sobre regras e instrumentos para o governo digital e para o aumento da eficiência pública, de modo a permitir desburocratização, inovação, transformação digital e participação do cidadão.

Burocratização x burocracia

Neste ponto, vale lembrar que burocratização não se confunde com burocracia. A partir do modelo de organização burocrática de Max Weber, baseado no critério da legitimidade do poder, burocracia é uma técnica da sistemática de solução do problema geral da administração, com o objetivo de maximizar eficiência e previsibilidade, enquanto burocratização constitui vício relativo a formalismos excessivos [6].

O artigo 6º do Decreto-Lei 200/67 prescreve que as atividades da administração devem obedecer, como princípios fundamentais, o planejamento, a coordenação, a descentralização, a delegação de competência e o controle. E sobre a função de controle, o legislador reconhece a importância de se evitar mecanismos meramente formais ou que tornem a atividade excessivamente burocrática [7].

O artigo 14 prevê que “[o] trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de contrôles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco”.

Por sua vez, a Lei nº 14.399/22 — que instituiu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura — estabelece como objetivos da política a democratização do acesso à fruição e à produção artística nos entes federativos (inciso III, artigo 2º), a garantia de financiamento para as ações, os projetos, as políticas e os programas públicos de cultura previstos nos planos regionais e locais (inciso IV, artigo 2º) e a fixação de diretrizes para a prestação de contas de projetos culturais, inclusive audiovisuais, realizados no âmbito das leis federais, estaduais, municipais e distritais de incentivo à cultura (inciso V, artigo 2º). E como princípios expressos a eficiência, a racionalidade administrativa e a desburocratização.

É, portanto, nesse contexto de afirmação do dever de fomento efetivo à atividade cultural, que a instrução normativa estabelece regras para as transferências de recursos entre a União, representada pelo Ministério da Cultura, e estados, Distrito Federal, municípios e organizações da sociedade civil por meio de convênios e termos de fomento — instrumentos previstos na Lei 13.019/14.

Com alcance amplo, a diretriz se aplica a todo o sistema do Ministério da Cultura, entes que aderiram à Política Nacional Aldir Blanc, à Política Nacional Cultura Viva e, também, aos beneficiados pela Lei Aldir Blanc 1. A amplitude e a flexibilidade da norma tenta promover maior agilidade e eficiência na execução dos projetos culturais.

O fomento à cultura é uma importante função constitucional do Estado na promoção do bem-estar social e no incentivo às mais variadas manifestações artísticas brasileiras, que contribuem para o desenvolvimento de sociedade. E, assim, a modernização dos instrumentos que materializam esse incentivo de forma racional e simplificada, a exemplo da Instrução Normativa nº 17 do Ministério da Cultura, revela um bom movimento e que deveria estar enraizada na cultura da administração pública do país.

Redação

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