A história do castelo italiano construído em Fortaleza como presente de casamento

A história do castelo italiano construído em Fortaleza como presente de casamento

Castelo foi uma das obras tocadas pelo empresário que construiu outros edifícios icônicos em Fortaleza no início do século e ajudou a redesenhar a paisagem urbana da cidade. Ele foi derrubado pouco mais de 50 anos depois de ficar pronto.

Em 1920, Fortaleza possuía menos de 80 mil habitantes. Na orla onde hoje se espremem arranha-céus, havia apenas algumas pequenas casas de pescadores. Boa parte do território era ocupado por sítios. A vida comercial, social e o governo estavam comprimidos no bairro Centro. Foi nesta época, em que Fortaleza mais parecia vila que capital, que o empresário Plácido de Carvalho resolveu erguer como presente para sua esposa um castelo italiano.

A construção era imponente, toda em alvenaria. O lugar possuía dois pavimentos e um porão subterrâneo. Os vidros das janelas eram importados. Os arabescos tinham inspiração gótica. O teto era encimado por telhas Marselha.

O acesso ao castelo se dava por duas escadas bombeé, que ficavam debaixo da torre de quatro pisos que se erguia sobre o então bairro do Outeiro, que hoje é o bairro Aldeota, um dos mais caros do Nordeste.

Embora o local tenha ficado conhecido popularmente por Castelo do Plácido, em termos arquitetônicos está mais para um palacete. Ele teria sido inspirado em um palacete veneziano que seus donos teriam visto durante viagem pela Europa. Plácido trouxe a planta para cá, e aqui mandou reproduzi-lo.

O castelo foi um presente de casamento de Plácido de Carvalho para sua esposa, a italiana Maria Pierina Rossi, que, segundo reza a lenda urbana, resistia em deixar a Europa para morar em Fortaleza.

O casal morou pouco tempo no castelo, pouco mais de uma década. Quando Plácido adoeceu, os dois resolveram viver em um hotel que ele possuía no Centro da cidade, isto é, mais próximo do atendimento médico. O empresário morreu em 1935, e Pierina não voltou a viver no castelo.

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A história do castelo italiano construído em Fortaleza como presente de casamento

O lugar chegou a ser alugado nos anos seguintes, até que ficou abandonado. Em 1973, foi comprado por um grupo empresarial cearense, que demoliu o castelo para erguer um empreendimento comercial que nunca foi concretizado. Por anos, o local ficou apenas como um terreno baldio, até dar lugar à Central de Artesanato do Ceará, em 1982.

Apesar de ter desaparecido da paisagem urbana, o Castelo do Plácido não desapareceu da memória fortalezense. Sua história está diretamente relacionada ao processo de urbanização de Fortaleza durante o século passado, bem como o nascimento de uma elite urbana local. Entenda:

A Belle Époque da capital cearense

O Theatro José de Alencar, tombado como Patrimônio Histórico e Artístico, é referência turística e arquitetônica nacional.  — Foto: Embratur/Divulgação

O Theatro José de Alencar, tombado como Patrimônio Histórico e Artístico, é referência turística e arquitetônica nacional. — Foto: Embratur/Divulgação

Entre 1900 e 1920, a elite cearense enriquecia com a venda de algodão para o exterior. O produto era colhido no interior e escoado pelos portos da capital. Neste período, uma pequena elite urbana começou a se formar na capital cearense.

Foi por essa época que Fortaleza viveu uma espécie de “Belle Époque” tardia. O Centro, por exemplo, passou por reforma para padronizar as ruas em uma disposição xadrez. Em 1910, foi inaugurado o Theatro José de Alencar, um dos mais importantes do Brasil, com arquitetura em estilo art nouveau.

Nesse período de efervescência, houve também o crescimento do comércio de itens de luxo, sobretudo aqueles importados da Europa. E foi justamente assim que o empresário Plácido de Carvalho construiu uma fortuna que o tornou um dos homens mais ricos do Ceará.

Nascido em 1873 no município de Canindé, Plácido era filho de um português com uma brasileira. O empresário fundou sua loja, a Casa Plácido, em 1899. O estabelecimento vendia sobretudo produtos importados.

Plácido de Carvalho foi um dos homens mais ricos do Ceará — Foto: Arquivo Nirez

Plácido de Carvalho foi um dos homens mais ricos do Ceará — Foto: Arquivo Nirez

A loja ficava próximo à Praça do Ferreira, o ponto de encontro da elite e intelligentsia fortalezense, localizada a poucos passos da sede do governo. Era lá que estavam as principais lojas, cafés, livrarias.

“Ele criou um sistema diferente de aquisição de produtos para a loja dele. […] Ele viajava para a Europa para comprar tecidos, comprar objetos, equipamentos, e vendia na loja. Então o comércio dele floresceu, enriqueceu no início dessa maneira. E com isso ele foi comprando prédios em Fortaleza e foi alugando”, detalha Eliézer.

Conforme Eliézer, este modelo de comércio foi diferencial para Plácido: com o crescimento de Fortaleza no início do século, a elite local, inspirada e até educada em hábitos europeus, ansiava por itens vindos da Europa, em especial da França, que já era, então, a principal referência de luxo.

Dos negócios ao romance

Foto de Maria Pierina Rossi, já mais velha — Foto: Arquivo Rosita Jereissati

Foto de Maria Pierina Rossi, já mais velha — Foto: Arquivo Rosita Jereissati

Em 1909, em uma das idas à Paris para comprar itens para sua loja, Plácido conheceu na capital francesa uma jovem italiana que trabalhava na administração de um café que ele costumava frequentar. Era Maria Pierina Rossi, sua futura esposa.

Inicialmente, os dois estabeleceram uma relação de amizade e negócios: enquanto Plácido voltava para o Brasil, Pierina atuava em Paris como sua represente comercial, negociando preços, escolhendo produtos e agilizando os processos para quando o cearense voltasse à cidade para reabastecer seu estoque.

A amizade, porém, virou romance. Em 1914, estourou a Primeira Guerra Mundial, e as viagens à Europa se tornaram mais caras, mais difíceis e mais perigosas. Plácido, no entanto, continuou a cruzar o Oceano Atlântico para comprar seus produtos – que, em tempos de guerra, revendia muito mais caros – e para encontrar Pierina.

Não se sabe a data exata do casamento dos dois, apenas que ocorreu em algum momento durante a Primeira Guerra. Não há registros que indiquem a recusa da italiana em vir para o Brasil, como diz a lenda urbana sobre o caso, mas o fato é que quando Plácido voltou da Europa casado, voltou desacompanhado.

A situação continuou assim até 1917, quando a italiana, enfim, se uniu ao marido na capital cearense. Antes da chegada, Plácido havia despendido parte da sua fortuna em investimentos que, de uma maneira ou de outra, tornavam Fortaleza um pouco mais parecida com as cidades cosmopolitas com as quais Pierina estavam acostumadas.

Para recebê-la, ele mandou construir o Majestic, o primeiro cineteatro de Fortaleza, localizado na Praça do Ferreira. E também com o mesmo propósito de presenteá-la, deu início ao projeto de construir um castelo italiano para sua esposa italiana.

Um castelo nos trópicos

Plácido de Carvalho trouxe da Europa a planta do castelo – ou palacete – que pretendia erguer para a esposa. Na capital cearense, a planta foi repassada para o engenheiro e artista plástico João Saboia Barbosa, um dos mais procurados na época.

Saboia também foi responsável, entre outras edifícios, pelo projeto do Palacete Ceará, localizado na Praça do Ferreira, onde funcionava o Clube Iracema, o principal ponto de encontro da elite fortalezense da época.

Quando Saboia recebeu o projeto de Plácido, ele adaptou a estrutura. A planta assinada por Saboia data de 1918, isto é, um ano após a chegada de Pierina a Fortaleza. Parte da planta, que mostra a fachada, sobreviveu ao tempo, e ficou no acervo da Universidade Federal do Ceará (veja abaixo).

Desenho da fachada do Castelo do Plácido está no acervo da universidade Federal do Ceará — Foto: Reprodução

Desenho da fachada do Castelo do Plácido está no acervo da universidade Federal do Ceará — Foto: Reprodução

O castelo ficou pronto em 1921, e logo se tornou ponto de referência na capital cearense. O local possuía uma área de 11 mil metros quadrados, parte deles com jardim. Muros de 3 metros de altura delimitavam o terreno. Por fim, ficava distante do Centro, no bairro Outeiro, dando ao palacete ares de uma fortaleza isolada, ou, melhor, de um castelo.

Ainda antes do castelo ficar pronto, as investidas de Plácido no ramo imobiliário vinham alterando a paisagem do centro de Fortaleza, construindo no bairro uma certa semelhança com as cidades europeias.

“Como ele viajava muito para a Europa e para o Rio de Janeiro, ele tinha uma certa empolgação com os estilos dos prédios europeus, dos castelos, e dos prédios do Rio de Janeiro”, aponta Eliézer Rodrigues.

Em 1917, ele inaugurou o Cine Majestic, considerado o primeiro cineteatro de Fortaleza, localizado na Praça do Ferreira. Logo depois, ele arrendou o espaço para o empresário Luiz Severiano Ribeiro, como se tornou costume de Plácido: construir e alugar.

Majestic, inaugurado em 1917 na Praça do Ferreira, foi o primeiro cineteatro de Fortaleza — Foto: Arquivo Nirez

Majestic, inaugurado em 1917 na Praça do Ferreira, foi o primeiro cineteatro de Fortaleza — Foto: Arquivo Nirez

De todo modo, a inauguração do Cine Majestic, em 14 de julho daquele ano, foi uma espécie homenagem para Pierina, recém-chegada a Fortaleza. O evento de abertura teve como atração principal a artista transformista italiana Fátima Miris, a mais famosa da época. Ela, inclusive, chegou a Fortaleza no mesmo navio que trouxe Pierina

“Para a cidade era assim uma coisa nova. Se você ver fotos antigas do Cine Majestic, a imponência… […] A imponência dos prédios chamava a atenção e ele lucrou. A história do Castelo do Plácido vem acoplado a isso aí, a esse interesse dele”, explica o jornalista e pesquisador.

Pouco após o Majestic, Plácido inaugurou o Cine Moderno, em 1921, também na Praça do Ferreira. O local, como o nome sugeria, pretendia trazer as inovações da sétima arte, e de fato foi o primeiro cinema com som de Fortaleza, exibindo um filme sonorizado em 1930.

Em 1924, chegou a Fortaleza o irmão de Pierina, Natale Rossi. Ele trouxe consigo a filha única de Pierina, Zaíra, fruto de um relacionamento anterior da italiana. Ela foi morar com a mãe e Plácido no castelo.

Em 1927, com o castelo pronto, os cinemas abertos, a fábrica de tecidos em pleno funcionamento e outros imóveis alugados na capital cearense – como o Sobrado do Pastor -, Plácido deu início à construção de um dos seus prédios mais conhecidos: o Excelsior Hotel.

O hotel Excelsior fechou em 1964, mas o prédio continua sendo utilizado até hoje para outras atividades — Foto: Kid Júnior/SVM

O hotel Excelsior fechou em 1964, mas o prédio continua sendo utilizado até hoje para outras atividades — Foto: Kid Júnior/SVM

Com sete andares, o hotel erguido na Praça do Ferreira é considerado o primeiro arranha-céu da capital cearense. O prédio tinha uma arquitetura em estilo eclético e art deco. A obra foi tocada, em parte, por Natale Rossi, irmão de Pierina. A decoração interna ficou a cargo de Pierina.

Quando inaugurado, em 1931, o Excelsior tinha 123 apartamentos e treze suítes. Possuía barbearia, manicure, salões para dança e até área de exposições. Era considerado um dos mais modernos do Nordeste, e ocupava uma esquina da praça mais importante do Ceará.

Em 1933, Plácido e Pierina deixaram o castelo, depois de pouco mais de uma década vivendo ali, para morar no Excelsior. Na época, o empresário estava doente, e lhes pareceu melhor estar localizado na área central da cidade que no isolado castelo do bairro Outeiro, que, até então, tinha um acesso considerado difícil.

Plácido morreu em 1935, no Excelsior. Ele e Pierina não chegaram a ter filhos juntos. Em seu testamento, ele distribuiu parte dos seus bens para outros familiares e fez doações para instituições de ensino. A maior parte do espólio ficou para sua esposa, Pierina.

Ruína e demolição do castelo

Após a morte de Plácido, Pierina não voltou a morar no castelo. A viúva resolveu alugar o local, que passou por várias mãos nos anos seguintes. Em 1937, o lugar foi arrendado para a Escola Doméstica de Fortaleza, que era voltada a ensinar “instrução do lar e prendas domésticas” para senhoras.

Em 1939, o castelo foi alugado para o Serviço de Malária do Nordeste, uma instituição federal de combate à doença que afetava grandemente o Ceará e Rio Grande do Norte na época. Em 1940, o presidente Getúlio Vargas, inclusive, visitou o local para conhecer o trabalho desenvolvido ali. Em 1942, o serviço foi extinto, e o prédio foi desocupado.

Castelo do Plácido, depois de ser desocupado pela família, foi alugado  — Foto: Arquivo Nirez

Castelo do Plácido, depois de ser desocupado pela família, foi alugado — Foto: Arquivo Nirez

Neste período, Pierina havia conhecido um novo amor: o arquiteto húngaro Emílio Hinko, radicado há anos em Fortaleza. Hinko é responsável por obras icônicas na capital cearense, entre elas, a sede do Náutico Atlético Cearense, um dos mais tradicionais da orla.

Antes de casarem, em 1938, Pierina e Hinko já tinham feito negócios juntos. Por solicitação de Pierina, Emílio Hinko projetou e construiu seis palacetes no entorno do castelo. Eram construções pequenas, para alugar para famílias, e tinham como objetivo valorizar o entorno. Mais tarde, ela e Hinko, inclusive, iriam morar em um destes palacetes, bem menores que o Castelo de Plácido.

A despeito destes investimentos no entorno e das tentativas de aluguel do castelo, o imóvel aos poucos foi sendo abandonado, sobretudo com a morte de Pierina, em 1957. Na década de 1960, o lugar já estava desocupado há anos, embora gozasse da imagem de ponto turístico local, sendo usado como cenários para campanhas publicitárias até da Prefeitura de Fortaleza.

No início da década de 1970, o Castelo do Plácido já se encontrava em ruínas. Conforme moradores do entorno, a maior parte dos cômodos estavam destruídos, e externamente o edifício estava em más condições. Apenas a torre resistia incólume.

O Governo do Estado chegou a cogitar comprar o palacete, restaurar e transformá-lo na sede da Assembleia Legislativa, uma vez que, para além da estrutura principal, o terreno do castelo era grande, com 11 mil metros quadrados.

O negócio chegou a ser anunciado nos jornais da época, o governo enviou técnicos para analisarem as condições de restauração do edifício, mas as tratativas não avançaram. Em 1973, o lugar foi comprado pelo grupo empresarial Romcy, que possuía diversos empreendimentos em Fortaleza.

Cartão postal com imagem do Castelo - ou palacete - do Plácido — Foto: Arquivo Nirez

Cartão postal com imagem do Castelo – ou palacete – do Plácido — Foto: Arquivo Nirez

A ideia do grupo era derrubar o castelo e construir um novo empreendimento comercial, um supermercado. Em 13 de fevereiro de 1974, o grupo demoliu o castelo, mas o supermercado acabou sendo construído em outro lugar.

“Nem a imprensa, nem as autoridades, nem Instituto do Patrimônio Histórico (Iphan), nem a secretaria de cultura do estado ou do município, ninguém se mexeu. O cara foi lá, comprou e derrubou”, resume o jornalista Eliézer Rodrigues. “Autoridades ligadas a patrimônio histórico, entidades, já existiam, mas não fizeram nada”, lamenta.

O castelo, que já estava em ruínas, virou então um terreno baldio no coração do Outeiro, que deixou de ser Outeiro e se tornou o bairro Aldeota, o novo preferido da elite local, que aos poucos vinha abandonando o Centro de Fortaleza e indo em direção à orla e ao leste da cidade.

Vários dos equipamentos que tornavam o Centro tão chamativo já não existiam. O Cine Majestic, de Plácido, foi derrubado em 1969 após um incêndio. O hotel Excelsior fechou as portas em 1964. O Palacete Ceará, onde ficava o exclusivo Clube Iracema, fechou ainda na década de 1940 e depois virou agência bancária. A sede do Governo do Estado, inclusive, foi transferida.

Uma praça substitui o castelo

Palacetes construídos por Pierina no entorno do Castelo do Plácido sobreviveram ao tempo e hoje são usados por órgãos do governo — Foto: JR Panela

Palacetes construídos por Pierina no entorno do Castelo do Plácido sobreviveram ao tempo e hoje são usados por órgãos do governo — Foto: JR Panela

Ao longo do restante da década de 1970, a área do antigo Castelo do Plácido permaneceu sem uso, até que na década de 1980 a posse do lugar passou para o Governo do Estado, que decidiu construir ali a Central de Artesanato do Ceará (Ceart), inaugurada em 1982.

O local tinha como objetivo reunir artesãos que iriam produzir suas peças ali e lá mesmo vender. No projeto original, o prédio da Ceart foi todo erguido com carnaúba, e o governo garantiu que o material sustentaria a estrutura.

Em 1983, o prédio precisou passar por reforma e substituição dos pilares de carnaúba por pilares de cimento. O teto também foi refeito, desta vez com telhas. Outras intervenções foram necessárias nos anos seguintes, e o prédio da Ceart acabou sendo refeito, preservando a ideia original. O novo prédio foi entregue em 1992.

A administração estadual construiu no entorno da Ceart uma praça, hoje chamada Praça Luíza Távora, que abarcou também os seis palacetes que Pierina mandou Hinko erguer nas proximidades do Castelo do Plácido. Os palacetes reformados ainda hoje permanecem na praça, sendo utilizados como sedes de órgãos do governo estadual (veja na imagem acima).

Redação

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