Empreendedorismo sobre rodas: comerciantes percorrem Fortaleza em busca de clientes

Empreendedorismo sobre rodas: comerciantes percorrem Fortaleza em busca de clientes

Esse tipo de comércio de rua também se caracteriza como empreendedorismo por necessidade.

Comerciantes e prestadores de serviços têm adotado a praticidade e o baixo custo de vender diretamente de seus veículos, em vez de manter uma loja fixa. Muitos chegam a percorrer dezenas de quilômetros por dia em busca de clientes em Fortaleza.

É o caso do sapateiro Cícero Ferreira da Silva, 57; da vendedora de lanches Luana Silva da Costa, 39; e do comerciante de móveis José Iran Costa da Silva Júnior, 46, trabalhadores que buscam nas ruas uma forma de complementar a renda e tentar melhorar as condições de vida de suas famílias.

Eles estão entre os 1,9 milhão de trabalhadores informais do Ceará, número que representa mais da metade (51,1%) da mão de obra ocupada no Estado, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), referente ao terceiro trimestre deste ano, do IBGE.

No caso de Cícero, a informalidade foi uma escolha desde o início da carreira, há 25 anos, e não consequência de dificuldade de acesso ao mercado formal, segundo relatou. 

Imagem mostra veículo kombi estacionado e servindo de loja com produtos para vender pendurados para o lado de fora.

Dentro de sua Kombi, ele, os filhos e o genro, todos sapateiros, se revezam em um ponto próximo à Praça das Flores, no bairro Aldeota. Morador da Granja Portugal, percorre cerca de 40 quilômetros entre ida e volta para trabalhar durante 10 horas diárias, de segunda a sexta, oferecendo serviços que variam de R$ 20 a R$ 50.

Sem máquina de costura, todo o trabalho é feito manualmente. Além das costuras e colagens de solas, meias-solas e saltos, a família também realiza pintura de bolsas e sapatos. “A gente passa o dia todinho aqui e faz tudo na Kombi. Só quando tem muita demanda é que leva serviço para casa”, comenta.

Cícero conta que escolheu o local por observar o fluxo constante de pessoas na praça, ideal para criar uma clientela fiel. Antes, ele trabalhava na Praça dos Leões, no Centro, mas decidiu ceder o ponto a um irmão que havia chegado do interior. Ao tentar atuar em casa, o movimento não foi suficiente para sustentar a família.

“Por isso vim com a minha Kombi pra cá e, graças a Deus, desde então tenho clientes. Tem dia que a gente nem para, de tanto serviço. Já somos conhecidos, e nosso trabalho é nossa sobrevivência. Vivemos daqui. Devagarzinho, dá para garantir o trocado e levar o pão de cada dia para casa”, afirma. 

Empreendedorismo por necessidade

O especialista em comércio e varejo e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque, afirma que esse comércio de rua, realizado de forma “ambulante”, também se caracteriza como empreendedorismo por necessidade.

Na avaliação dele, “as pessoas estão abandonando o sonho da CLT e da estabilidade para poder ter um empreendimento. E isso está ainda mais forte no pós-pandemia”.

Avesque observa que, muitas vezes, o objetivo é simplesmente obter uma renda superior ao salário mínimo. Segundo ele, isso é possível caso sejam considerados três fatores: estar em áreas com fluxo intenso de pessoas, oferecer conveniência ao consumidor por estar próximo e depender da habilidade de venda ou da diferenciação do produto em relação à concorrência.

“Aqui valem o tamanho, o material usado, o tempo para a realização do serviço e, quando for alimentação, o tempero ou o preparo. O importante é ter diferencial”, diz.

O fato de o empreendedor não depender de um ponto fixo, como um imóvel alugado, é relevante para as vendas, já que permite circular em busca de locais com maior fluxo de clientes.

Porém, o especialista ressalta que é necessário haver equilíbrio econômico na região para que todos possam ganhar. Por isso, considera essencial a formalização desses comércios.

“Para que não haja esse comércio informal competindo diretamente, numa explosão de vários pontos de venda itinerantes, com aqueles que são formalizados e possuem diversas despesas, como aluguel e impostos”, lembra. 

O sonho de uma vida melhor

Luana Silva da Costa, 39 anos, trabalha há sete anos como vendedora de lanches nas proximidades do cruzamento da Rua Rui Barbosa com a Soriano Albuquerque, no bairro Joaquim Távora. Segundo ela, a informalidade também foi uma escolha, motivada pelo sonho de ter uma vida melhor.

Como ponto de apoio, ela usa o próprio carro. É nele que transporta os quitutes que prepara diariamente, ao acordar por volta das 5 horas. São salgados, sanduíches, bolos, cafés e sucos, tudo fresquinho para a sua clientela já cativa.

Luana relata que todos os dias leva pelo menos 30 salgados para vender e que essa é, em média, sua quantidade diária de vendas. “É difícil voltar para casa com alguma coisa”, diz.

A comerciante lembra que, no início, também de maneira informal, tentou fazer os salgados apenas para revenda, mas as dificuldades a levaram às ruas.
“Aqui o ponto é muito bom. A gente conhece as pessoas, vende e se ajuda. Pago as minhas contas com o meu trabalho, com muito orgulho”, frisa.

Comércio nas ruas que passou de pai para filho

A poucos metros dali, o marido de Luana, José Iran Costa da Silva Júnior, 46 anos, vende móveis e brinquedos de madeira. Foi o pai dele quem começou a vender nesse ponto há algumas décadas e Júnior, como prefere ser chamado, diz ter escolhido não procurar um emprego formal e focar no “negócio da família”.

Muitos dos móveis de apoio, como mesas, sapateiras e bancos, são fabricados pelo irmão. Outros itens, como cabides, tábuas de passar roupas e caminhões e ônibus de madeira, são comprados para revenda.

Homem entregando ônibus de madeira para motorista de carro.

Júnior revela que o segredo para viver da venda de rua é fidelizar a clientela e estar em um ponto de grande fluxo de pessoas. Além disso, reforça que trabalha tranquilo e “sem medo de fiscalização”, por possuir licença para atuar naquele local. 

Informalidade gera ilusão de mais ganhos e liberdade

O atual percentual de informais (51%) é o menor desde 2022 (53%). No ano passado, o índice chegou ao maior patamar recente, com 53,3%. Ainda assim, o número permanece elevado.

Para o economista e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, a razão para a existência de tantos trabalhadores informais está no fato de a economia capitalista não gerar emprego formal para toda a força de trabalho disponível.

“Há sempre uma reserva funcional que serve como controle dos níveis de salário. Nessa reserva estão os desempregados, os subempregados e os informais. Um dado importante é que o pleno emprego nunca será alcançado. Esse é um fator que explica a informalidade”, diz.

Ele explica que as formas de informalidade são diversas, mas destaca que “é uma opção forçada pelas circunstâncias”. Ainda assim, muitos trabalhadores não percebem dessa maneira e acreditam estar sendo melhor remunerados nessas condições.

Regularização é essencial para atuar no comércio de rua

Para vender nas ruas de Fortaleza, é obrigatório ter licença. O interessado deve pedir autorização na Secretaria Regional da área onde quer trabalhar, apresentando documentos pessoais, comprovante de endereço e informações sobre o local e o tipo de atividade.

Depois da análise e vistoria, a Prefeitura emite o Termo de Permissão de Uso (TPU). 

Quem trabalha com barracas, trailers ou carrinhos não paga taxa municipal, mas precisa seguir regras como manter o espaço limpo, não bloquear a passagem e respeitar os horários autorizados.

A fiscalização é feita pela Agefis, que atua por demanda das Regionais ou por denúncias da população. Trabalhar sem autorização é infração ao Código da Cidade e pode resultar em multa e apreensão do equipamento. Denúncias podem ser feitas pelo 156 ou pelo aplicativo Fiscalize Fortaleza.

Qual a melhor forma de começar a empreender com o próprio carro?

Para o analista de negócios do Sebrae, Alan Girão, as pessoas que utilizam seus carros como ponto de venda ou de prestação de serviços têm uma oportunidade valiosa de empreender com mobilidade e baixo custo fixo.

Ele reforça ainda a importância de investir tempo em capacitações para aprimorar produtos ou serviços, “garantindo um negócio competitivo, ágil e muito cômodo para os clientes”. Veja os pontos de atenção na hora de empreender com o próprio veículo.

  • Localização: é fundamental estar em um local com alto fluxo de pessoas. Praças, feiras populares, entradas de shows ou faculdades são boas opções, desde que se observe os horários de maior movimento em cada um desses espaços.
  • Conveniência: escolher bem o que vender ou oferecer. Produtos como lanches, bebidas e serviços estéticos rápidos garantem boa rotatividade. Também é importante considerar itens sazonais, como guarda-chuvas na quadra chuvosa, sorvetes no verão e sopas no inverno.
  • Planejamento e metas: estabelecer metas diárias ou semanais ajuda a medir o desempenho e a manter a motivação. Isso também orienta decisões sobre estoque, precificação e valores a serem investidos.
  • Legalização: mesmo sendo uma atividade informal em muitos casos, é recomendável buscar regularização como MEI, obter alvarás locais, estacionar em locais permitidos e seguir normas de higiene e segurança. Isso aumenta a credibilidade e evita problemas com fiscalização.
  • Investir no visual do espaço: a fachada do veículo, a organização dos produtos e a abordagem ao cliente fazem diferença. É importante evitar poluição visual, manter tudo organizado e oferecer um atendimento cordial e ágil para atrair o público.

Redação

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