Plano Diretor vai para Câmara com criação de zona de proteção da Floresta do Aeroporto de Fortaleza
Após os três dias da Conferência da Cidade, 173 emendas foram incorporadas à minuta do novo Plano Diretor de Fortaleza elaborada pela Prefeitura neste domingo (26). Entre as mudanças feitas no documento está a criação de uma Zona de Proteção Ambiental no entorno do Aeroporto Internacional de Fortaleza maior do que a prevista pela gestão municipal. A mensagem com o texto final, segundo a Prefeitura, será enviada para a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) na próxima semana.
Desde a última sexta-feira (24), quase 600 pessoas delegadas estiveram reunidas no Centro de Eventos para discutir e votar as propostas para o Plano Diretor Participativo e Sustentável (PDPS) de Fortaleza. No sábado (25), os participantes foram divididos em seis Grupos de Trabalho (GTs) temáticos que analisaram os diferentes eixos do documento e apresentaram destaques sobre os artigos. No terceiro e último dia, as sugestões foram levadas para a plenária e votadas pelos presentes.
A minuta do plano diretor tinha 621 artigos e, ao todo, foram feitas 176 emendas — das quais apenas três não foram aprovadas. Um dos últimos pontos decididos no domingo foi a criação de uma a Zona de Preservação Ambiental (ZPA) de 96 hectares no entorno do Aeroporto, com objetivo de criar uma Unidade de Conservação.
No espaço restante dos cerca de 200 hectares de área verde, segundo o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), Artur Bruno, a minuta previa a criação de uma Zona de Uso Sustentável (ZUS) para aquelas localidades em que já havia algum tipo de projeto ou empreendimento.
Pelo que foi votado e aprovado pelos delegados, todos os 200 hectares serão ZPA no documento que será enviado à CMFor. Renato Pequeno, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Observatório das Metrópoles, argumenta que essa mudança aumenta a possibilidade de restauração dos 46 hectares que foram desmatados para a construção de um centro logístico.
A intervenção tornou-se alvo de discussões e gerou reações, como a suspensão das licenças e a abertura de investigações sobre supostas irregularidades na obra.
“Aquela área representa o que chamamos de ilha de calor. A proximidade com a área preservada, uma área de mata atlântica, garante para todo esse setor uma possibilidade de que a vegetação que vai ser trazida para lá ganhe melhores chances de recuperação. (…) A possibilidade de que essa área venha a se expandir, venha a se consolidar, nos deixa com expectativa de um futuro melhor”, afirma o docente, que é coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab) da UFC.
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PARÂMETROS DE CONSTRUÇÃO
Encerradas as votações na plenária, o texto final do projeto de lei do Plano Diretor de Fortaleza vai consolidar a proposta de reduzir o Índice de Aproveitamento Básico (IAB) de áreas em diferentes bairros, como Meireles, Mucuripe e Aldeota, em comparação com a legislação atual. A proposta da Prefeitura também previa aumento do Índice de Aproveitamento Básico (IAM) em alguns locais.
O IAB é um parâmetro urbanístico que determina a área de construção permitida em relação ao tamanho do terreno, enquanto o IAM indica a área máxima que a edificação pode atingir. As alterações nesses parâmetros impactam a Outorga Onerosa do Direito de Construir, um instrumento que permite aumentar o tamanho do empreendimento mediante compensação financeira ao município.
Esse era um dos pontos aos quais o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon Ceará) era contrário. Diretor da entidade, José Carlos Gama argumenta que, com a redução do IAB, um instrumento que deveria ser de planejamento urbanístico vira “simplesmente arrecadatório” para a Prefeitura.
Artur Bruno defende que a importância da outorga como um mecanismo para “distribuir mais oportunidades”, uma vez que, por meio do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), o recurso arrecadado é empregado em infraestrutura e habitação popular, por exemplo. Então você utiliza o recurso daquele que tem mais para aquele que tem menos.
“Nós queremos que a cidade cresça, mas ela vai crescer onde tem infraestrutura. Onde não tem infraestrutura, nós estamos diminuindo o poder construtivo, porque era um absurdo, antes, você poder construir onde sequer tinha esgoto”, afirmou.
Além disso, a entidade é contrária ao prazo de 120 dias para o Plano Diretor entrar em vigor, após aprovação final. Para ele, o tempo é curto para que a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) adapte os sistemas à nova legislação. Gama destaca que não pode haver prejuízo para a solicitação de alvarás de construção e de funcionamento de forma online. “Não tenho como regredir e passar a fazer uma análise na mão”, ressalta Gama.
“Nós não conseguimos aprovar isso no Grupo de Trabalho e, consequentemente, não veio para a plenária. [Mas] nós vamos continuar esse diálogo aberto e transparente agora com os 43 vereadores quando o projeto chegar na Câmara”, afirmou o diretor do Sinduscon Ceará.
COMUNIDADES TRADICIONAIS
Outro ponto aprovado na plenária foi a criação da Zonas Especiais de Comunidades e Povos Tradicionais (ZECT), que reconhece os locais onde vivem populações tradicionais — como quilombolas, pesqueiras e marisqueiras — e busca promover medidas para preservar as práticas culturais e os meios de vida dos habitantes, além do meio ambiente.
A proposta para o zoneamento foi aprovada com algumas mudanças, como a autorização para que moradores nativos possam ampliar suas moradias, respeitando índices mínimos de construção. Também foi criado um termo de cooperação entre o município e cada comunidade tradicional para identificar, com estudo antropológico e sociológico, quem pertence a esses grupos tradicionais.
A minuta do Plano Diretor define três Zonas Especiais de Comunidades e Povos Tradicionais:
- Boca da Barra, no bairro Edson Queiroz;
- Olho D’Água, no bairro Manoel Dias Branco;
- Casa de Farinha, no bairro Praia do Futuro II.
PRÓXIMOS PASSOS
Com o texto do projeto de lei aprovado, o Plano Diretor segue para tramitação na Câmara Municipal. Após o envio do documento pelo Executivo, a matéria será lida em plenário e encaminhada à Comissão Especial do Plano Diretor, presidida pelo vereador Benigno Júnior (Republicanos).
A comissão vai analisar o mérito do texto e emitir parecer antes do retorno do projeto ao plenário para votação. Durante essa tramitação, novas audiências públicas serão convocadaspara que haja mais discussões sobre o texto aprovado na Conferência da Cidade.
“E a Câmara tem sua legitimidade para aprimorar o texto, melhorar, propor emendas e sugestões para o texto”, complementa o vereador. Após a análise das emendas e a votação final no plenário, o projeto seguirá para sanção do Executivo municipal.”Benigno Junior
Vereador e presidente da Comissão Especial do Plano Diretor
Caso o Plano Diretor tramite em regime de urgência e haja pedido de vista, a análise deverá ocorrer no prazo de uma sessão ordinária, segundo o Regimento Interno da Câmara. Se não houver urgência, o prazo se estende para três sessões ordinárias.
“Ainda de acordo com o Regimento, a votação final do Plano Diretor, incluindo possíveis emendas, deve ocorrer até o dia 22 de dezembro, data da última sessão ordinária de 2025”, informou a CMFor ao Diário do Nordeste.
COMO OCORREU A DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR
O Plano Diretor que atualmente está em vigor em Fortaleza deveria ter tido validade apenas até 2019. Porém, a revisão do documento foi interrompida em 2020, devido à pandemia de Covid-19, e só foi retomada em 2023. Além das discussões ocorridas até o ano passado, foram realizadas, apenas em 2025, oito audiências públicas e 39 fóruns territoriais.
O presidente do Ipplan, Artur Bruno, destaca a participação popular durante esse processo. Para ele, esse é o Plano Diretor “mais avançado, mais progressista, mais participativo e sustentável” da história da Capital. “Nunca na história de Fortaleza houve tanta participação popular. As pessoas vão se ver nos artigos da mensagem do plano diretor”, afirmou, em entrevista ao Diário do Nordeste durante o terceiro dia da Conferência da Cidade.
