Castanhão: qual a função do maior açude do Brasil planejado há mais 100 anos no Ceará

Castanhão: qual a função do maior açude do Brasil planejado há mais 100 anos no Ceará

Quando as obras para a construção do Açude Castanhão – o maior do Brasil – começaram efetivamente, em 1995, no interior do Ceará, a barragem já era planejada há mais de 80 anos. Entre o momento que a ideia surgiu e agora já se passaram mais de 100 anos. Em 2002, nos últimos dias da gestão do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, a gigantesca barragem foi entregue pelo Governo Federal, envolta em polêmicas, apostas e planos. Passados 30 anos do início das obras, qual a função desse açude? Ele realmente tem atendido a finalidade idealizada?

A ideia do Castanhão, segundo o Governo Federal, surgiu ainda em 1910, quando o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), na época, chamado de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) iniciou estudos geológicos e topográficos para a construção do açude. Mas o plano ficou adormecido. Ressurgiu em algumas ocasiões. Uma delas em 1985. Contudo, não caminhou. 

Já em 1989, o projeto do Castanhão foi reativado. O deputado cearense Paes de Andrade, que era presidente da Câmara Federal, à época, na ausência do presidente José Sarney, ao assumir o poder interinamente assinou o edital para construção da maior barragem do Brasil. Em 1995, a obra finalmente começou. Não sem disputas sobre como ela deveria ser;  qual espaço deveria ocupar e qual a real necessidade de efetivá-la. 

$alt

O Castanhão tem capacidade de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos (m³) de água e hoje está com 27% deste volume. Hoje, segundo o DNOCS, o açude é responsável pelo abastecimento de 5 milhões de pessoas no Ceará, sendo 4,5 milhões na Região Metropolitana de Fortaleza e 500 mil situadas entre a válvula dispersora da barragem e a foz do Rio Jaguaribe, no município de Fortim. 

Quando projetado, na década de 1990, foi defendido como uma relevante e estratégica reserva hídrica para o Estado, tendo algumas finalidades, como:  

  • Abastecimento humano, garantido segurança hídrica para a população da grande Fortaleza;
  • Garantia de água para Complexo Industrial do Pecém;
  • Controle das secas e das cheias sazonais que atingiam o Vale do Jaguaribe;
  • Garantia de irrigação para agricultura;
  • Piscicultura

O atual secretário executivo dos Recursos Hídricos do Ceará, Ramon Rodrigues, conta que  participou do processo de construção do açude e destaca umas das principais características do mesmo e a função de múltiplos usos, que o açude segue atendendo.

A avaliação é reiterada pelo servidor do DNOCS e administrador do Complexo Castanhão, Fernando Pimentel de Andrade. 

“O Castanhão tem que ser respeitado porque ele é o maior açude para usos múltiplos na América Latina. E o principal dos usos é o abastecimento humano. Fortaleza, com um desenvolvimento urbano e populacional muito grande, se viu na precisão de um reservatório que viesse a atender a demanda do uso desse recursos”. Fernando Pimentel de Andrade

Servidor do DNOCS e administrador do Complexo Castanhão

Ele reforça que o Castanhão “foi projetado para atender toda a população que se encontra a jusante, ou seja, do barramento para baixo até a sua foz em Fortim” e nesse contexto, “não só atendeu a expectativa, mas é realidade e é fundamental para o Estado do Ceará”.

Após visitar o Vale do Jaguaribe por 4 dias, no fim de janeiro de 2025, o Diário do Nordeste publicou nesta semana uma série de reportagens reconstituindo a história que conecta o Castanhão, a maior barragem do Brasil, e Jaguaribara, cidade que deu lugar ao açude. As matérias abordam a mobilização, tensões e memórias dessa relação que, após mais de 30 anos, guarda um misto de percepções: o êxito de morar na primeira cidade planejada do Ceará e a saudade da antiga sede, típica do interior e margeada pelo Rio Jaguaribe. 

Tamanho e localização do Castanhão

Uma das críticas à barragem (muito enfatizada inclusive no processo de remoção da cidade de Jaguaribara, que precisou ser reconstruída a 50km de distância pois seria afetada pelas águas do Castanhão) era justamente o tamanho do empreendimento.

Ramon recorda que no processo de definição do Castanhão “tinha uma discussão antiga, se era interessante construir do tamanho que ele foi construído com 6,7 bilhões ou fazer vários reservatórios espalhados pela bacia”. 

“Um grupo era favorável a essa partição dessa acumulação, outro era favorável a concentrar em um reservatório mais perto possível de Fortaleza, da Região Metropolitana que concentra a maior população do Estado. Esse grupo ganhou essa questão de fazê-lo grande”. Ramon Rodrigues

Secretário executivo dos Recursos Hídricos do Ceará

No caso da barragem tal qual foi feita, ela ocasionaria a submersão de 2/3 do município de Jaguaribara e seu único Distrito, Poço Comprido.

Na avaliação de Ramon, a opção por fazer o açude de grandes proporções “se mostrou muito certa, pois, se observamos o que aconteceu na Bacia do Poti, em Crateús, nós temos quatro reservatórios acima de 100 milhões e eles não conseguem suprir bem a Bacia porque secam. Hoje, estamos construindo um reservatório em torno de 500 milhões para a bacia que vai ser o reservatório pulmão. Então o Castanhão fez essa função e tem feito isso muito bem”. 

Ramon também reitera que o ideal era que o Castanhão fosse construído o mais perto possível de Fortaleza, mas devido ao tamanho e a estrutura que demandava, o local escolhido foi o Boqueirão do Cunha, no Vale do Jaguaribe. 

“Antes, o maior açude que nós tínhamos era o Orós. E na Bacia do Orós ele guarda as águas apenas do Alto Jaguaribe. As águas do Salgado, que vêm do Cariri oriental, região mais chuvosa, passavam direto para o mar. Às vezes, quando o Orós estava sangrando juntava essas duas vazões e produzia enchente tanto no baixo Jaguaribe, como lá na foz no Aracati. É tanto que Aracati tem um dique porque em tempos passados, a cidade já chegou a inundar.”, relata. 

O secretário reitera que o Castanhão foi feito com a finalidade de múltiplos usos, mas do ponto de vista de armazenamento a prioridade é acumular as águas oriundas do Salgado, sobretudo, as do Orós que quando sangrava jogava no Rio Jaguaribe e provocava enchentes no baixo e do médio Jaguaribe. 

Por que o açude encheu antes do previsto?

O Açude foi entregue em 2002, e naquela época havia uma projeção de que ele levaria ao menos 10 anos para encher. Mas, em 2004, o açude sangrou. “Teve um senhor que não queria sair e pegaram ele na carreira”, conta o morador de Jaguaribara, professor aposentado, Francisco Isaac da Silva, em referência a alguns moradores da zona rural da antiga cidade que insistiram em permanecer na área que seria alagada pelo Castanhão e pouco mais de 2 anos após a saída foram afetados pelas águas. 

“Quando terminou a obra, houve uma grande chuva. O povo que morava na Bacia ainda, eles tinham certeza, segundo os engenheiros, que aqui só ia encher com 10 anos, mas só bastou 30 dias de chuva que encheu. Era um clamor grande. Muita gente dentro da barragem, helicóptero tirando. Às vezes iam tirar nas canoas, a canoa virava”, rememora.

O secretário executivo da SRH, Ramon Rodrigues, explica que no processo do Castanhão, o grupo que era contrário à construção do açude do tamanho que ele é, “acreditava que ele não encheria nunca”. Por outro lado, afirma, “os estudos hidrológicos que nós tínhamos mostravam que o Castanhão em menos de 10 anos encheria. Mas, no Ceará as chuvas são de uma irregularidade assombrosa. Elas são irregulares não só no espaço mas também no tempo”

Em 2004, quando o Castanhão encheu, explica ele, os vários sistemas que provocam chuvas no Estado “se combinaram gerando uma condição de muita chuva. E essa condição não foi só um dia, se manteve em cima do Ceará por cerca de 15 dias e foi aí que o Castanhão encheu. Por conta disso ele encheu de novo em 2008 e se manteve alto em 2009”. 

Já nos sucessivos anos de quadra chuvosa abaixo da média no Estado, gerando estiagem, entre 2012 e 2018, o Castanhão praticamente secou, chegando a ficar com 2% do acumulado. Nos últimos anos, com o efeito das quadras chuvosas, o açude está recuperando volume. 

Como as águas chegam a Fortaleza?

Para as águas do Castanhão chegarem a Fortaleza, Ramon explica que, logo após a entrega do açude em 2002, o Governo Estadual iniciou em 2003 o processo de estruturação do Eixão das Águas – um conjunto de obras para transposição até a Capital. Em 2012, as águas do Castanhão chegaram à Região Metropolitana de Fortaleza via Eixão e hoje elas chegam até o Porto do Pecém.

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *