Crianças autistas estão sem remédios, consultas e terapias no interior do CE: ‘vejo minha filha retrocedendo’

Algumas famílias já aguardam por uma primeira consulta especializada há mais de 1 ano
Terapias e consultas que deveriam ser semanais para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão, desde 2024, sem prazo para acontecer. Medicamentos diários para diversas condições de saúde já completam 2 meses em falta. O cenário precário, com pacientes há 1 ano esperando por uma primeira consulta, é denunciado por famílias de Tururu, cidade a cerca de 107 km de Fortaleza.
Liz, 3, tem laudo de TEA desde 1 ano e 10 meses de vida. Não verbal, a menina “já até falava algumas coisas”, quando era acompanhada por fonoaudióloga – mas “retrocedeu, não fala mais”, como lamenta a mãe, Antônia Moreira, 36.
A última consulta com fono à qual Liz teve acesso foi em junho de 2024. Com a neurologista, se encontrou já faz 6 meses. De lá para cá, outro item essencial para a menina também tem faltado: o medicamento para dormir.
“A gente vai na prefeitura, busca saber se tem médico, remédio, e nada disso tem. Não tem nem previsão. Minha filha tá sem terapias, sem medicamento, sem ser acompanhada. A gente faz o que pode pra comprar o medicamento, pra ver se ela dorme, mas a gente não tem as receitas”, desabafa Antônia.
Quando olho pra minha filha e vejo que ela tá retrocedendo, eu choro. Porque a gente não pode fazer nada, não tem como pagar nada particular. Vivemos de Bolsa Família aqui, é muito difícil num interior desse.Antônia Moreira
Mãe da Liz
Daniel, 9, filho de Natália dos Santos, 35, está sem consultas nem terapias especializadas em TEA desde o início de 2024. Desde que recebeu o laudo do transtorno, ainda em 2023, o garoto só conseguiu ver um neurologista duas vezes.
“O neuro disse que ele precisava muito de terapia ocupacional, mas ele não tá tendo consulta é de nada: nem TO, nem fono, nem psicólogo, nada. Ele é nível 2 de suporte. Se ele não tiver tratamento, a tendência dele é piorar, entrar mais em crises”, frisa Natália.
A mãe do menino afirma que as dificuldades afetam, inclusive, a alimentação: Daniel tem “muita seletividade alimentar”, sinal típico do TEA, mas não tem acompanhamento nutricional especializado. “O que ele quer comer não fortalece”, diz a mãe.
A gente vai atrás das terapias, eles só falam que tem que esperar chamar. Mas até agora nada. Lá na terapia ocupacional, o Daniel tá com a chamada 65, e até agora não foi chamado. E o neuro botou como urgente.Natália dos Santos
Mãe de Daniel
‘FAMÍLIAS SEM ACESSO A NADA’
Para tentar fortalecer os pedidos de ajuda, as famílias formaram a Associação Acolher, que reúne quase 170 crianças com diversos diagnósticos, incluindo autismo, deficiências físicas e intelectuais. A entidade é presidida por Cláudio Lira, pai de um menino de 9 anos com TEA em nível 3 de suporte, além de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).