De recolhimento a punições: como escolas do CE estão se adaptando para cumprir lei e proibir o uso de celular

De recolhimento a punições: como escolas do CE estão se adaptando para cumprir lei e proibir o uso de celular

Lei que veta o uso de dispositivos móveis nas salas de aula entrou em vigor no dia 13 deste mês

O sinal toca. Logo o pátio é tomado por várias rodas de adolescentes que mal se olham, divididos entre o lanche e o celular. Antes típica, agora a cena não é mais possível: com a volta às aulas sob a nova lei que proíbe o uso dos aparelhos, as escolas cearenses têm aplicado medidas desde o recolhimento do dispositivo até a previsão de punição a quem descumprir.

No Ceará, uma lei estadual de 2008 já vetava o uso de celular nas salas de aula, mas a normativa nacional – a lei nº 15.100, que entrou em vigor no dia 13 deste mês e ainda será regulamentada – apertou a proibição, que se estende para os recreios e intervalos entre as aulas.

O Diário do Nordeste buscou as secretarias de educação locais, além do sindicato representante das instituições privadas, para saber que providências têm sido aplicadas nos primeiros dias letivos sob o peso da lei nacional.

MEC publicará decreto com regras para orientar redes sobre proibição de celular nas escolas
A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) reforçou, em nota, que cumpre a lei estadual sobre o tema e que, “pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), já orientava a utilização da tecnologia junto de um planejamento pedagógico alinhado ao currículo escolar”.

A lei nacional, segundo a Pasta, reforça o que já era praticado. “Desta forma, para o ano letivo de 2025, a SME assegurará também o cumprimento desta lei”, complementa a secretaria, sem detalhar que medidas são realizadas na prática para garantir a restrição.

Mão de criança mexendo no celular em cima de livro
Legenda: Proibição de celular nas salas de aula visa proteger crianças e adolescentes da superexposição a telas
Foto: Shutterstock
Já na rede estadual, cada escola terá autonomia para aplicar medidas de vedação aos dispositivos móveis pelos alunos, como explica Jucineide Fernandes, secretária executiva do Ensino Médio e Profissional da Seduc.

“Temos escolas que na sala de aula tem um local para guardar os celulares, outras já não têm espaço pra isso e orientam que o estudante nem leve. Não queremos uniformizar a orientação sobre guarda e recolhimento, porque cada unidade tem sua realidade e deve definir isso junto com a comunidade escolar”, argumenta.

Para Jucineide, o principal ponto “não é restrição por restrição”, e sim conscientizar estudantes e famílias de que “a proibição tem uma intenção de proteção deles, de diminuição do uso de tela, aumento de interação”.
A Seduc, então, tem preparado materiais e cartilhas para orientar quem compõe a rede estadual de educação. “Temos que apoiar os gestores e professores, pra que possam estar preparados pra fazer essa discussão. Essa responsabilidade não é só deles. Que seja toda a rede de proteção”, finaliza.

Pela lei, o uso de celulares é vetado durante aulas, recreios, intervalos e atividades extracurriculares, sendo permitido apenas em situações específicas, como:

Fins pedagógicos ou didáticos, quando orientado pelo professor;
Garantia de acessibilidade e inclusão, como o uso de tecnologias assistivas para estudantes com deficiência;
Emergências ou condições de saúde, incluindo o uso de dispositivos como para monitoramento médico.
Para auxiliar na implementação da lei, o Ministério da Educação (MEC) lançou dois guias, na última sexta-feira (31). Um é destinado às redes de ensino, e outro às escolas. Os documentos apresentam algumas orientações gerais, embora cada rede deva definir “suas próprias estratégias de implementação”.

A Pasta declarou que já disponibiliza cursos para professores sobre como orientar os alunos no uso responsável da tecnologia, e que oferecerá webinários e orientações específicas para os pais, auxiliando-os a compreender a importância da restrição e como apoiar os filhos na transição​.

“CHATO, MAS NECESSÁRIO”

Na rede privada, cada escola também deverá incluir medidas ligadas à proibição nos respectivos regimentos internos e propostas pedagógicas, como orientou o Sindicato dos Estabelecimentos de Educação e Ensino da Livre Iniciativa do Ceará (Sinepe) em comunicado emitido no dia 16 deste mês.

O Sinepe recomendou, ainda, que as instituições incluam “previsão disciplinar ao aluno que descumprir a legislação”, e realizem “um trabalho de conscientização com os estudantes e suas famílias”. Algumas escolas já têm intensificado as providências.

“No meu colégio, tem um suporte pra guardar o celular. Todo começo de aula, os professores pedem pros alunos colocarem lá. A maioria faz isso, outros deixam na bolsa. É meio chato, sim, mas eu vejo como necessário”, reconhece Pedro Costa, 16, que cursa o 3º ano do ensino médio na rede privada de Fortaleza.
O adolescente relata que, “antes da proibição, tinha muita gente na sala mexendo no celular, não prestando atenção na aula”, e confirma que a fiscalização intensa está ocorrendo também nos intervalos. “Essa semana, tinha umas pessoas mexendo, e o coordenador tomou (os celulares)”, narra.

Formar, conscientizar e convencer antes de punir tem sido o foco da Organização Educacional Farias Brito, como pontua Fernanda Denardin, diretora técnica da instituição. “Estamos fazendo um processo de formação, de advertência oral, de convencimento com algum aluno que não esteja cumprindo. Caso necessário, comunicamos às famílias”, diz.

O processo de preparação da comunidade escolar iniciou antes de a lei entrar em vigor, como recobra a diretora. “A primeira ação que a escola tomou aqui foi fazer o processo de formação dos professores, equipe técnica e funcionários que atuam diretamente com os alunos, para que estivessem prontos a aplicar a nova normativa legal”, frisa.

Jovens utilizam equipamento eletrônico na escola
Legenda: Em recomendação às secretarias de educação e representantes de escolas do Ceará, o Ministério Público estadual orientou a restrição do uso de celulares nas salas de aula
Foto: LBeddoe / Shutterstock
A orientação nas sedes da organização é de que os celulares sejam mantidos dentro das mochilas ou em pequenas bolsas que os estudantes possam carregar a tiracolo, ainda que não utilizem o dispositivo. “Tomamos a decisão de não nos responsabilizar pelos aparelhos”, explica Fernanda.

Diante de possível resistência dos alunos, as sanções disciplinares também são uma opção. “Num terceiro caso, podemos chegar a precisar aplicar alguma norma mais disciplinar dentro da escola, inclusive recolhendo o celular para entregar diretamente ao responsável”, pontua Fernanda.

Mas, no geral, a proibição tem sido recebida de forma positiva. “Afinal, é uma possibilidade de a gente fortalecer o convívio escolar, a relação entre os alunos, o que é o grande objetivo da escola também: ser um espaço de convivência onde os alunos possam se relacionar cada vez mais e aprender uns com os outros, destaca a diretora.

QUESTÃO DE SAÚDE

O fato de o celular ser, hoje, “praticamente inseparável da pessoa humana” faz com que a lei não seja apenas sobre educação, mas sobre saúde. É o que analisa Alessio Costa, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretário de educação de Ibaretama, no sertão central do Ceará.

“Uma lei por si só não é autoaplicável, principalmente uma que vem com a necessidade de mudança de cultura e de hábito das pessoas. Isso requer todo um trabalho de conscientização para que seja implementada com efetividade e menos transtornos possíveis”, observou, durante webinar sobre o assunto promovido pelo Ministério da Educação.

O presidente da Undime frisa que a concentração é um fator indispensável para a aprendizagem de qualquer assunto, e tem sido diretamente afetada pelas telas. “Quando você está assistindo à aula e o celular vibra no bolso, mesmo no silencioso, a atenção se volta automaticamente. Vem a necessidade de saber do que se trata”, lamenta o gestor.

53%
foi o aumento dos indicadores de desempenho dos estudantes em matemática em avaliações bimestrais no Rio de Janeiro, primeira cidade a proibir o celular na sala de aula, de acordo com a secretaria de Educação carioca.
Alessio reforça que “a lei não fecha as portas da escola para as tecnologias, já que é possível que o celular venha a ser utilizado como metodologia para o ensino”, mas que o uso excessivo “é um assunto de saúde pública e requer, de fato, grandes iniciativas”.

VIGIAR E PUNIR

Crianças utilizam celular em sala de aula
Legenda: O uso de celulares e aparelhos eletrônicos similares em sala de aula é proibido por lei estadual desde 2008 no Ceará
Foto: Shutterstock
A aplicação de sanções disciplinares para o aluno que infringir a lei não deve ser a ideia principal, mas é possível, sobretudo em situações de desrespeito à autoridade do professor, como reforça Paulo Bandeira, advogado, professor universitário e membro da Associação Brasileira de Direito Educacional (Abrade).

“Cabe ao docente orientar os estudantes sobre o uso adequado dos celulares nas atividades pedagógicas, definir os momentos apropriados para a utilização dos dispositivos e supervisionar seu uso durante as aulas”, reforça o especialista.

Bandeira pondera que se não houver obediência e respeito à norma mesmo sob reiteradas conversas, advertências e avisos, a instituição de educação pode, inclusive, considerar a expulsão do estudante.
“A ideia trazida pela lei ao restringir o uso do aparelho telefônico nas escolas não tem como objetivo principal realizar a punição do estudante. Todavia, para situações excepcionais, de reiterada indisciplina, desrespeito à Lei e ao Regimento Escolar, a expulsão do aluno poderá ser considerada pela instituição de ensino”, declara.

A situação, porém, é rara, adotada diante de graves indisciplinas e quando outras medidas não tiveram êxito. “A expulsão deve ser aplicada somente com última opção, desde que superadas todas as medidas disciplinares anteriores.”

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *