Empresários-influencers, chineses remoldam Centro de Fortaleza e somam milhões de seguidores em redes sociais

Lin Yihui conhecia o Brasil apenas por televisão. As festas, a música e o churrasco o encantavam. Em 2010, com 22 anos, visitou o País pela primeira vez e percebeu que, além de “turistar”, empreender em terras brasileiras poderia ser vantajoso.
Ele largou a vida em Fujian, no sudeste da China, onde trabalhava como vendedor de siri, para montar a própria loja de produtos importados. Dentre as diversas cidades visitadas, a escolhida foi Sobral, no norte do Ceará.
“Vim ao Brasil passear, vi outros amigos chineses com lojas de importados, e achei interessante o ramo. Chegando em Sobral, eu vi que não tinha muitos concorrentes e resolvi abrir o negócio na cidade”, lembra.
De início, montou o negócio sozinho. Após três anos, foi acompanhado pela esposa, que passava uma temporada na Grécia. O casal teve a sua primeira filha em Sobral, hoje com três anos, e administra duas lojas de importados.
A segunda loja se tornou necessária seis anos após a abertura da primeira, considerando a alta demanda pelos produtos. As duas unidades da Alex Variedades, em menção ao nome brasileiro escolhido por Lin Yihui, estão no centro de Sobral.

A empresa vende principalmente produtos eletrônicos, como carregadores, caixas de som e fones de ouvido, importados diretamente da China.
Lin Yihui destaca que o alto volume de compras no varejo e atacado permite a empresa adotar um preço bastante competitivo. Com o crescimento do faturamento, ele conseguiu melhorar as condições de vida da família.
“De início, a minha família não aceitou que eu viesse para o Brasil. Queria que eu fosse para outros países. Agora, eles estão felizes por minhas conquistas. Porém, a situação envolve muitas saudades da parte deles e da minha”, afirma.
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Se há dez anos a mudança para empreender em outro país poderia parecer arriscada, hoje é um movimento mais comum. O número de empresas administradas por imigrantes asiáticos no Ceará mais que dobrou em três anos.
Em 2022, o Estado tinha 371 empresas ativas cadastradas por imigrantes da China, Japão, Coreia do Norte ou Coreia do Sul. Hoje, o número chegou a 834.
Os imigrantes chineses são grande maioria entre os que vieram empreender no Ceará. Em seguida, estão os oriundos da Coreia do Norte.
PRESENÇA CHINESA É MAIS FORTE E SE DISPERSOU PELO BRASIL
Por ser um país altamente populoso, a China concentra taxas de migração maior que os outros países asiáticos, explica Denise Bomtempo, professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenadora do Laboratório de Estudos Agrários, Urbanos e Populacionais.
A migração de chineses para o Brasil se tornou massiva na década de 1990. São Paulo foi a primeira cidade a concentrar a população chinesa, dedicados à atividade comercial e também industrial, sobretudo no ramo de confecções.
A partir de 2004, entretanto, houve uma dispersão dos migrantes para outras regiões, explica a especialista. O movimento foi reflexo da dinamização econômicas de outras cidades, impulsionada por políticas públicas.
“Na rede urbana da região Nordeste, Fortaleza e as cidades médias cearenses estão entre as mais dinâmicas. Então tivemos um período em que a migração interna e internacional pautou as cidades cearenses”, aponta.
Denise Bomtempo ressalta que Fortaleza concentra grande volume e diversidade de migrantes internacionais, que vendem a força de trabalho para compatriotas ou montam o próprio negócio.
Viviane é uma das imigrantes chinesas que começou a ‘vida brasileira’ no sudeste. Acompanhando a mãe, ela se mudou para o Rio de Janeiro há 22 anos, logo após concluir os estudos.

A matriarca criou a própria loja de importados no centro da capital carioca. Há quatro anos, foi a vez de Viviane montar o seu negócio, a Mil Variedades, dessa vez no Centro de Fortaleza.
“Queria mudar um pouquinho. Aqui é uma cidade para morar e trabalhar, mais tranquila, mais calmo. Lá [no Rio de Janeiro] é mais correria. Meus irmãos seguem lá, trabalhando com o mesmo tipo de produto”, conta.
Já adaptada ao Brasil, ela escolheu o Ceará para melhorar sua qualidade de vida, mantendo a boa performance de vendas que é encontrada no Centro. Mesmo separada das filhas, que nasceram no Rio de Janeiro e foram morar na China recentemente, ela pretende continuar no Estado.
Minhas filhas foram estudar na China. Elas me visitam uma vez por ano e eu também ou costumo ir para lá visitar toda a família. É cultural, uma realidade que já estamos acostumados. Quero ficar aqui.Viviane
Dona da loja Mil Variedades
IMIGRAÇÃO MOLDOU O CENTRO DE FORTALEZA
Assim como Viviane, outros imigrantes são atraídos para abrir lojas no Centro de Fortaleza devido à capacidade de venda e custo melhor com despesas vinculadas ao trabalho, ressalta Denise Bomtempo.
A logística de recebimento e distribuição de mercadorias pelos portos do Pecém e do Mucuripe, com boa conectividade, são outros atrativos. “Além disso, o custo para manutenção da vida e do negócio é menor em se comparando com as cidades brasileiras com características próximas de Fortaleza”, aponta.

Denise destaca que, enquanto proprietários de estabelecimentos, foram responsáveis por diversificar e ampliar a oferta de produtos vendidos no comércio central. Houve também uma padronização das lojas da região.
“Com o passar dos anos, os chineses passaram a controlar a importação dos produtos — oriundos da China; a distribuição dos mesmos no território nacional e a comercialização — vendas diretas e vendas por atacado, para abastecer outras lojas fixas, online e feiras”, explica.
Wellington Nogueira Maciel, líder do Grupo de Pesquisa Ciências Sociais e Cidade, aponta que o comércio de importados conseguiu se mesclar aos empreendimentos já tradicionais da região.
“É uma dinâmica de mudança que me parece normal, é fruto do próprio modo como a cidade vai incorporando novos processos econômicos. Não podemos caracterizar uma substituição do centro tradicional por um bairro de importados”, afirma.
O Centro se perpetua como uma área de ocupação histórica, onde as instituições mais antigas de Fortaleza foram criadas e seguem vivas, segundo o pesquisador.
“Ainda há lojas antigas e tradicionais que têm um público fiel. O comércio popular do centro de Fortaleza é muito caracterizado pelo boca-a-boca, face a face, essa coisa que lembra um pouco épocas anteriores e tem uma sociabilidade que você já não vê nos shoppings, e muito menos nas plataformas de compras”
Wellington Maciel pondera, entretanto, que a região precisa de investimentos em infraestrutura e moradia. O especialista aponta que intervenções importantes já foram realizadas nos últimos anos, com a chegada de novos museus e reforma de praças, mas que é preciso dialogar com as necessidades do comércio.
“É preciso entender se há interesse econômico em fazer essa revitalização. Se não for pelo viés econômico, tem que ser pelo viés habitacional. Acho que uma questão básica seria entender quem interessa morar no Centro. Entender o perfil da habitação para reativação”, aponta.
APROXIMAÇÃO PELAS REDES SOCIAIS
A barreira linguista está entre as principais dificuldades enfrentadas pelos imigrantes que atravessam o mundo para empreender no Brasil.
Não falar português com fluência pode afastar alguns comerciantes de um dos pilares do comércio popular: o contato direto com clientes. Em algumas lojas visitadas pela reportagem, os empreendedores estrangeiros permanecem nos bastidores, reservados.
Mas há quem faça questão de dialogar com a clientela e, mais que isso, produzir conteúdo para as redes sociais. Lin Yihui, o Alex, perdeu a vergonha de não falar português perfeitamente e acumula mais de dois milhões de seguidores em seus perfis.
Além de mostrar os produtos de sua lojas em Sobral, ele compartilha vídeos de humor, arriscando até mesmo gírias cearenses. “O português é muito difícil, levei um tempo para começar a entender algumas coisas. Até hoje é bem puxado, mas estou conhecendo mais as gírias nordestinas”, diz.
Lin Yihui celebra como as redes sociais têm ajudado no crescimento dos clientes da loja. “A tecnologia avançou muito e precisamos acompanhar isso”, comenta.
Ce Liang, dono da Fácil Atacado, grande loja do setor no Centro de Fortaleza, também produz vídeos divulgando os produtos importados nas redes sociais. Ele se uniu às ‘trends’ e viu as vendas da empresa crescerem.
O sucesso do negócio, que foca em trazer produtos de qualidade e diferentes da concorrência, é uma realização para toda a família, que se mudou para o Brasil há cerca de dez anos.
“Além de ajudar minha família financeiramente, quero crescer. A gente vive bem, mas também quero que meus pais descansem. Meu pai vai fazer 50 anos, minha mãe também, e estão trabalhando há muito tempo. Eles vieram e construíram tudo do zero”, afirma.