Ex-Maristas relembram vivências no Ginásio Escolar que dará lugar a edifício
 
					Alunos e professores rememoram eventos esportivos e celebrações na extinta escola.
O antigo Colégio Marista foi ao longo de anos uma referência escolar no Centro de Fortaleza. A instituição fez parte da infância e adolescência de centenas de pessoas que ainda hoje, mesmo adultas, guardam memórias e saudades do lugar, inclusive com recordações como fotografias do local.
Nas últimas semanas, com a informação de que o Ginásio Esportivo da extinta escola agora dará lugar a um prédio residencial, alguns dos alunos e professores que frequentaram o lugar rememoram vivências no Colégio Cearense do Sagrado Coração, conhecido Colégio Marista.
O projeto do prédio residencial tem à frente a construtora MRV, que batizou o empreendimento de Parque Marista.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o professor de Educação Física José Roberto Chaves Sales, conhecido pelos ex-Maristas como Ket, afirma que foi no Marista onde encontrou o gosto pela atividade física, que se tornou sua profissão.
“Fui atleta da seleção de campo e sempre gostei muito de esporte, me identifiquei muito com a prática esportiva e o ginásio traz grandes memórias”, relembra. Segundo Ket, na época da construção, o ginásio do Colégio Marista era o segundo maior de Fortaleza, perdendo apenas para o Paulo Sarasate, no bairro Dionísio Torres.
O Colégio Marista encerrou suas atividades em dezembro de 2007 e cedeu espaço à Faculdade Católica do Ceará. Em 2014, a edificação foi adquirida pelo Grupo Estácio. Desde 2017, o prédio principal e a capela são tombados em nível estadual, por decisão do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio.
Ket trabalhou na instituição do início dos anos 90 até 2000 e também lecionou na Faculdade Católica do Ceará. Antes, foi aluno de 1975 a 1986. “Foram quase 30 anos da minha vida dentro da instituição, então você acaba absorvendo um vínculo afetivo fortíssimo de muito respeito e de gratidão […] Sou muito grato ao que vivi, o que aprendi nesse período, tanto como aluno quanto professor”, afirma.
A advogada Renia Reis, que cursou o Ensino Médio no Colégio Cearense dos anos 1994 a 1996, recorda que o local foi escolhido para a missa de enceramento do 3º ano. “Fiquei muito triste quando vi a notícia, comentei com os meus colegas no grupo que temos. Tá todo mundo assim muito triste e chocado”, diz.

A servidora pública Andréa Porto, de 48 anos, também foi uma das alunas do Colégio Cearense dos anos de 1989 a 1994. Ela afirma que o ginásio tinha uma boa estrutura, com quadra poliesportiva, espaço para jogos de futebol de salão, vôlei, handebol, basquete e outros esportes, bem como uma piscina. “Também tinha um campo grande de futebol que os colegas treinavam”, afirma.
Além disso, o ginásio servia de espaço para as apresentações artísticas, como os jogos olímpicos do colégio, chamados de “Jogos Champagnat”, que recebiam até alunos de outras escolas.
O ginásio era a melhor quadra da época. Teve vários eventos esportivos lá de outros equipamentos e ambientes. Até a seleção brasileira jogava lá Renia Reis
advogada e ex-aluna
Segundo o professor de Educação Física, a instituição chegou a receber a Seleção Brasileira de Basquete e de Vôlei. “O ginásio tinha uma condição muito favorável, consegui acolher um público de até 3 mil pessoas”, diz.

Nas redes sociais, ex-alunos comentam que as atividades no complexo esportivo eram prestigiadas por toda a sociedade de Fortaleza. “Mais uma memória sendo apagada na nossa cidade”, escreveu uma seguidora. “Um lugar cheio de histórias, risos, brincadeiras e muito amor! Ficam as lembranças”, afirma outra.
ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA NO CENTRO
Segundo levantamento do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), esse será o primeiro lançamento no coração do Centro de Fortaleza desde 2008. O empreendimento mais recente é o Edifício Cidade, na Rua Guilherme Rocha, que completou 17 anos e era o mais alto de Fortaleza na época de seu lançamento.
O Diário do Nordeste questionou a construtora sobre a demolição do ginásio, bem como solicitou uma previsão de investimento, do valor do empreendimento e do início das obras. No entanto, não houve respostas até a publicação desta matéria.

Local de memórias marcantes, ex-alunos entendem que a transformação é um reflexo da especulação imobiliária. “Ao longo das últimas décadas, Fortaleza se tornou uma cidade muito vertical e isso atingiu todos os bairros, até o Centro. Infelizmente, essa construção vai ser feita em um espaço que traz grandes memórias para quem conviveu ali”, destaca Ket.
“A gente se entristece de ver que o ginásio vai deixar de existir para dar espaço a outra estrutura. É lamentável não só pela nossa parte afetiva, mas, principalmente, porque é o fim de uma estrutura boa, que proporcionava a prática saudável e agregava a juventude”, afirma Andréa.
Ao Diário do Nordeste, Mário Monteiro, economista e especialista em mercado imobiliário, destaca que o empreendimento pode contribuir para a revitalização da região. Contudo, apenas um projeto não é suficiente para reverter a tendência de esvaziamento do Centro, sendo necessária também a participação do poder público.
“É uma aposta na reocupação de uma área urbana que estava meio degradada ou até esquecida. Pode ter um impacto, mas não sei se é um impacto suficiente para reverter o esvaziamento. Pode acontecer de aquecer a economia da região, mas é algo que o tempo dirá”, pondera.
HISTÓRIA DO COLÉGIO MARISTA

Os Irmãos Maristas chegaram ao Brasil no fim do século XIX. A obra educativa da congregação iniciou em Congonhas do Campo, em Minas Gerais, e se espalhou pelo país. Em 1913, o bispo cearense Dom Manuel da Silva Gomes estrutura o Colégio Cearense Sagrado Coração, com fundação pelos padres diocesanos.
Por volta de 1917, o comando da instituição é repassado aos Maristas na sede definitiva localizada na Avenida Duque de Caxias, 101, no Centro. Em meio a influência francesa crescenteem Fortaleza no período, o colégio foi ganhando destaque e sendo cada vez mais procurado pela elite da época para a educação dos filhos.
Os maristas eram inspirados por São Marcelino Champagnat, padre francês que se tornou santo da Igreja Católica em 1999. Os princípios do religioso buscavam a formação de bons e virtuosos cristãos.
Inicialmente, o colégio só tinha alunos homens e passou a receber as primeiras estudantes mulheres só em 1975. Apesar de ser uma escola de elite, o carisma Marista pregava a preocupação com os mais pobres com um sistema de bolsas para alunos da classe baixa e cursos noturnos gratuitos.
A Capela do Sagrado Coração de Jesus, que integra o conjunto de bens arquitetônicos do Colégio Cearense do Sagrado Coração, data de 1926 e é tombada pela Prefeitura de Fortaleza e pelo Governo do Estado do Ceará. Ela pertence ao Centro Universitário Estácio do Ceará. Desde 2022, o espaço religioso está disponível para aluguel e pode receber celebrações como casamentos, missas e batizados.
O projeto de tombamento do antigo Colégio Cearense do Sagrado Coração foi elaborado pela Coordenadoria de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) em 2015, mas não contempla a parte da quadra do prédio.

 
			 
			 
			 
			 
			 
			