Maiores desafios da educação são ‘precariedade das escolas e inclusão’, diz secretário de Fortaleza

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Idilvan Alencar, abordou temas que vão dos R$ 80 milhões perdidos pela educação da Capital em 2025 até as polêmicas como a suposta redução da alimentação escolar na nova gestão
Uma cidade com 235 mil alunos distribuídos em 617 escolas públicas da rede municipal. Crianças que vão da educação infantil (0 a 5 anos) até os anos finais do fundamental. Um contingente significativo com demandas diversas no campo educacional. Sob o comando dessa área, há quase 4 meses, o secretário Idilvan Alencar (PDT), um deputado federal com base na educação e que já ocupou o mesmo cargo no Governo do Estado, quando esteve à frente da Secretaria Estadual de Educação entre 2016 e 2018.
Passados quase 115 dias que Idilvan chegou à Secretaria Municipal de Educação (SME), a lista de providências a serem tomadas é grande, relata o gestor, que formado em Engenharia Civil, tem atuado politicamente na área da educação, sendo um dos parlamentares do Ceará influentes nesse campo no Congresso Nacional.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, na sede da SME, na última semana, Idilvan falou sobre aquilo que mais desafia a gestão na educação e elencou pontos como mais preocupantes: a condição física do parque escolar de Fortaleza e a garantia da educação inclusiva de qualidade, visto que, segundo ele, quase 10% do total de alunos da rede municipal é público da educação especial.
Na ocasião, o secretário abordou diversos temas que vão de aspectos mais técnicos, como o financiamento da educação em Fortaleza – e o fato de a Capital ter perdido R$ 80 milhões este ano – aos polêmicos, como a suposta redução da quantidade da alimentação escolar, acusação que circulou nas redes sociais no último mês.

Em quase quatro meses de gestão, o novo secretário se deparou com escolas afetadas pelas chuvas; necessidade de definição sobre o reajuste dos professores para fazer cumprir a Lei do Piso do Magistério; fardamento e livros que ainda não chegaram para todos os alunos; a necessidade de abertura de vagas em creches, dentre outras inúmeras demandas habituais para garantir o funcionamento da rede.
Nesse intervalo, ao menos dois procedimentos cotidianos são postulados por ele como característicos da sua gestão: a realização de reuniões periódicas com diretores, de modo que seja possível “ouvir” os dirigentes das 617 unidades da rede municipal e as visitas rotineiras às escolas antes menos de começar a despachar na sede da SME diariamente.
Idilvan Alencar: Eu posso falar sobre alguns desafios e, dentre eles, tem a infraestrutura. Quando nós chegamos aqui (na SME), no dia 3 de janeiro, o primeiro grande desafio foi o início do ano letivo. Por várias vezes eu pensei em pedir ao prefeito para adiar. E eu sei que isso é muito ruim porque acaba não fazendo os 200 dias letivos. Isso porque as aquisições pararam em outubro (de 2024). Eles (antiga gestão) poderia ter continuado e a gente dava prosseguimento.
Então, eu assumi e a primeira notícia é que tinha uma dívida de R$ 28 milhões com terceirizados. Para pagar o mês de dezembro, eu tive que reconhecer a dívida porque já era outro orçamento. Eu recebi a rede a ponto de parar. Não tinha nada comprado, carteira, merenda… Passamos 28 dias, já que as aulas começaram em 28 de janeiro, nesse sofrimento para botar o ano para começar.
E dentre essas questões, estava a rede física Então a primeira ação nossa foi mandar 6 milhões e 300 mil reais para as escolas, para os diretores fazerem aquele arranjo inicial de uma limpeza de mato, coberta…
É aquela verba que vai diretamente para as escolas?
Isso. Pela primeira vez, mandamos antes do início do ano letivo. Nós ainda estamos entregando algumas coisas. O aluno mais carente, ele não tem o livro, a caneta, a gente tem que comprar o livro, o kit escolar, tudo isso. Nada disso tinha. A gente tinha livro didático porque o PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) vem um ano antes.
E aí veio a quadra invernosa. O município tem um comitê de quadra invernosa e nós temos o nosso, porque temos 617 imóveis, entre escola, CEI e creche. E o município tem uma rede que é assim: você tem um grupo de escolas novas, que são poucas, e a grande maioria é antiga. E tem escola nova com defeito de projeto. E ninguém fez isso por maldade. Nessas escolas foi onde mais tivemos problemas na quadra chuvosa.
Então, hoje a rede tem dois grandes desafios: o primeiro deles é a precariedade física. Isso é histórico. Não é de hoje. É uma rede antiga. O segundo desafio é a educação inclusiva. Estamos com 22 mil estudantes da educação especial. Do universo de 234 mil matrículas. É quase 10% das nossas matrículas.
Por isso, tenho que ter a sala do AEE (Atendimento Educacional Especializado), ter um professor dentro do AEE, o assistente de inclusão, o apoio à inclusão.
E sobre a climatização das salas, como é que está essa situação?
O Evandro tem colocado algumas prioridades. Climatizar toda a rede municipal é uma delas. E aí não é só comprar ar-condicionado, tem que fazer a reforma. Estamos elencando quais são as (escolas) que têm condição mais fácil de climatizar para começarmos do mais fácil para o mais difícil, ao longo de 4 anos. Porque eu tenho que climatizar cerca de 100 ou 120 escolas por ano. Hoje tem 15% das escolas climatizadas, as que são as mais novas.
Sobre as vagas em creches, que também é uma demanda histórica na educação infantil, quais são os planos?
Hoje nós temos um chamado Registro Único que tem ali 4.700 pessoas atrás da creche. Esse número pode ser maior? Pode, porque às vezes a mãe sequer se inscreve nesse registro. Nós estamos com três estratégias para reduzir e fazer ao longo da gestão.
O Camilo, via MEC, vai ‘dar’ umas 10 creches, o Elmano vai entregar outras 10. Temos creches que estão em execução e que vamos retomar as obras.

A segunda estratégia é a questão da creche conveniada. Nós temos hoje 112 creches conveniadas. Temos que qualificar as avaliações dessas creches. Elas são imprescindíveis. Tem gente que diz: ‘Ah, elas não prestam’. E o que vamos fazer? Mandar as crianças para casa? É muito fácil fazer análise fora do problema, sem conhecer o contexto. Precisamos melhorar a qualidade dessa oferta. Então, nós lançamos um segundo edital e estamos qualificando o edital para terminar de exigência maior que isso.
O que é que tem de maior exigência nesse novo edital?
A questão da estrutura física. Tem as salas com determinadas dimensões, com condições de trabalho e espaço de convivência.
E qual é a outra estratégia?
A terceira estratégia, que eu estou achando muito legal, é ampliar os CEIs (Centros de Educação Infantil) já existentes. Eu tenho lá um CEI que atende 100 crianças, eu tenho área para ampliar, então vou investir. Porque aí até a nível de manutenção de custeio, eu tenho um processo mais otimizado, digamos assim. O diretor é o mesmo, o coordenador, a instalação elétrica.
Estou fazendo um levantamento de todos os CEIs que tem possibilidade de ampliação para que a gente consiga aumentar essa oferta.
Na área da educação inclusiva, o que tem sido feito?
Eu peguei todas as escolas que têm mais de 100 alunos nessa modalidade e coloquei o segundo professor no AEE. E aumentei os assistentes de inclusão de 1.300 para 1.900.
E nesse quesito, tem um levantamento de quais são as demandas que a rede municipal tem de assistente, de ampliação, de professor?
É um movimento diário. Por exemplo, eu coloquei uma regra: toda escola que tiver mais de 100 alunos eu vou colocar dois professores no AEE. E todo dia tem laudo (comprobatório da deficiência ou do Transtorno do Espectro Autista – TEA) sendo expedido e a fila de laudo é enorme.
Estamos na expectativa do Espaço Girassol (serviço prometido pelo prefeito Evandro a ser criado na atual gestão para oferecer atendimento multidisciplinar para pessoas com TEA e Síndrome de Down), onde esse nosso estudante possa ir para o espaço, fazer algumas terapias. A escola não pode dar conta de tudo na sociedade. Hoje a escola é quem acolhe as demandas sociais todas.
Secretário, sobre os indicadores educacionais temos várias avaliações que monitoram os níveis de aprendizagem dos estudantes, como o Spaece e o Saeb. Inclusive no ano passado, Fortaleza se destacou na alfabetização. Por outro lado, a Capital, como outras do Brasil, tem ainda o dilema dos anos finais, da queda de rendimento, e do gargalo na matemática. Como vocês têm trabalhado esses aspectos?
Os nossos desafios do 9º e do 5º ano são grandes. As grandes redes, como é o caso das capitais, historicamente têm dificuldades maiores nos processos de aprendizado, seja alfabetização, seja no 5º e 9º ano. E quando a gente se depara com essa condição de trabalho que eles têm, eles realmente têm um resultado muito expressivo diante das circunstâncias.

Com uma alfabetização bem feita, eu vou ter mais sucesso na trajetória escolar. Então, tem desafio em todas as etapas. Mas nós reconhecemos o esforço feito diante dessas condições de trabalho, porque, por exemplo, se na escola falta água, tem chuva, não tem aula. Isso tudo prejudica o rendimento.
Vejo isso quando vejo que 15% das escolas são climatizadas. Tem escola que é insuportável o calor e não tem condições de ter aula à tarde. Aí algumas estratégias, como o Aprender Mais, que é um contra turno, algumas escolas têm carência de espaço e ficam prejudicados. O que era pra ser um tempo integral mais vigoroso e mais consistente acaba sendo um tempo integral que não atende as melhores condições de trabalho.
Secretário, outro assunto que chegou a ter repercussão no início da gestão foi a questão de uma suposta redução na quantidade da alimentação escolar servida na rede municipal. O que, de fato, ocorreu? Teve redução?
Eu vi um vídeo que dizia que a gente tinha feito uma reunião com os diretores e eu tinha comunicado que tinha reduzido em 20% as proteínas. A minha resposta foi muito rápida: é mentira.
Este cardápio daqui eu não estou satisfeito com ele. Tem dia que é biscoito e suco e tem dias que é fruta. Fruta não pode ser alimentação escolar. Sabe o que que eu mudei aqui? A fruta era na sexta-feira e eu coloquei na quarta-feira, porque eu sei que a sexta é um dia que a insegurança tá lá e vai bater na porta dessas crianças. E este dia de segunda-feira, que era só suco e biscoito, eu botei uma canja, mas não comuniquei essa mudança porque eu achei muito pouco, muito pequena.
E sobre essa redução é mentira, tanto que não encontraram nada sobre essa mudança no cardápio. Não houve nenhuma mudança no cardápio, muito menos essa reunião na qual eu teria comunicado a redução de proteína.
Pelo contrário, tivemos que comprar três vezes mais caro o frango porque não tinha licitação (feita pela gestão passada). Nós pretendemos mudar esse cardápio. Por exemplo, nesse dia da fruta, pretendo deixar a fruta como sobremesa, mas não como alimentação.
Outro ponto Idilvan é o piso dos secretários escolares. Na Câmara Federal, você foi o relator de um projeto de lei nesse sentido. E agora, é possível começar a implementar a proposta de forma pioneira em Fortaleza?
Na verdade, a pauta é além disso, porque não são só os secretários escolares, são os agentes administrativos da educação. Aqui (na rede municipal) tem um grupo de 500 pessoas que estão aí ganhando muito pouco. Elas ganham abaixo do salário mínimo.
É uma pauta que já conversei com o Evandro, e ele já me deu sinal verde para avançar. Mas tudo com muito cuidado e responsabilidade. Porque o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) daqui é de 2 bilhões de reais e a folha de pagamento é 2 bilhões e 50 mil. Tem impacto.
Vamos fazer os cálculos, chamar as pessoas. Eles só têm 120 horas e precisam ir para 200 horas. A ideia é enquadrar no plano de cargos e carreiras dos servidores da educação.
Em relação à gestão democrática nas escolas. Em Fortaleza, nesse ponto, ainda predomina a indicação política para ocupação desses cargos. Tem algo pensado para alterar esse formato?
Eu estou ouvindo os diretores sobre essa pauta. Em Fortaleza é uma seleção. Porque a gestão democrática, ela tem várias formas de ser democrática: planos de metas aprovados, apoio da comunidade escolar…
Então, no momento, aqui é uma seleção. Tem prova e depois o distrito faz uma outra seleção para quem se habilita em editais. Estamos ouvindo os diretores. Como é que eles acham que seria esse processo. Estamos em processo de escuta.
E isso impacta na questão do VAAR (o mecanismo chamado Valor Aluno/Ano Resultado é uma das complementações que o Governo Federal garante às redes estaduais e municipais na distribuição do Fundeb anualmente) que considera, dentre outros pontos, o avanço na gestão democrática? Esse ano Fortaleza perdeu verba…
Esse ano Fortaleza perdeu, perdeu cerca de 80 milhões de reais no parâmetro equidade. Se a gente conseguir um bom resultado esse ano, a gente consegue 100 milhões de reais a mais em 2027 e 150 milhões de reais em 2028.
Nesse caso, Fortaleza perdeu porque não atingiu a equidade?
Isso. Não alcançou o indicador da equidade. Esse ano, estamos apostando na formação de gestores para resultados para a equidade. Perdeu porque o mais pobre não conseguiu alcançar os mesmos parâmetros (nos indicadores educacionais) do menos pobre.